A má poesia é dizer lágrimas
Silêncio
Marés
Lua
É dizer corpo e suor.
É discorrer sobre orvalho, geada e flores.
É convocar dores em apóstrofe.
É fazer chorar guitarras
E rimar com cigarras o coachar das rãs.
É dizer noite com palavras diurnas.
É cobrir o sol de gargalhadas soturnas
E abafar a luz com a melancolia do amor.
É usar o ponto de exclamação
E reticências.
É falar do coração!...
De coração. É saltar cacofonias.
É transmutar palavras em excrescências.
Fazer do verbo quistos e tumores.
É dizer o que se quer esconder;
Fingir que as alegrias são dores;
E explicar o que ninguém quer, mesmo, de todo, saber.
Má poesia é toda a poesia.
Nem Homero, nem Virgílio nem Pessoa.
Nem Pessanha, nem Dante nem peçonha.
Só os doidos a escrevem,
Nos espavoridos esgares da ronha,
E a recitam em veludos de hipocondria.
Entretanto, outros passarão por ela
E verão nas formas do seu caos
Sublimes cânticos de profecia.
É assim a pior,
Como será, provavelmente, a menos má,
E mais inútil, da poesia.