O que é que se devia dizer a quem diz que não vai ao cinema, ao teatro, a concertos e outras coisas que tais porque são caros, depois de encontrar as salas de espetáculos gratuitos vazias ou perto disso? Aconteceu ontem no São Mamede. E o filme não era propriamente um produto para intelectuais e outra fauna alternativa. Não. “A Better Life” é um filme que faria chorar as pedras da calçada há uns anos atrás, mesmo não sendo um dramalhão tipo “Love Story”. Hoje, dão-me mais pena as cadeiras vazias que a história que nos é derramada olhos adentro.
Quando foi para ver o “Amor de Perdição” de Manoel de Oliveira, com presença do próprio, contavam-se pelos dedos os corajosos que se predispunham a avançar na loucura de quatro horas de filme, e isso é quase compreensível. Mas num filme destes, acessível a qualquer médio consumidor de cinema, a custo zero, é questão para perguntar o que é que se passa de errado. Será, como se diz sempre a falta de divulgação? Tenho as minhas dúvidas.
Passem um filme que diga Angelina Jolie, algures e vagamente, na ficha técnica e façam apenas o mínimo essencial de publicidade e vejam a sala a encher-se de comedores de barulhentos rebuçados, à falta de pipocas (sem juízos de valor, que também as como quando as há). E depois digam-me que o Star System é coisa dos anos 40.
Alexandre Desplat, que tem composto a banda sonora original de filmes de Polanski (como é o caso de Carnage), do último Harry Potter e da saga Twilight , de “Extremamente alto, incrivelmente perto”, de “A Árvore da Vida” de Malick, entre outros filmes bem conhecidos, até de quem não se dedica à cinefilia, vai ter direito, em Guimarães, a um ciclo de filmes mais difíceis de encontrar. O primeiro será este “A Better Life”, sem direito a título em português porque ainda não teve distribuição comercial por estas bandas. No São Mamede, com entrada livre, dia 25, sexta feira, às 21 e 30.
Kirk Honeycutt, crítico do Hollywood Reporter, viu nele semelhanças ao “Ladrões de Bicicletas” mas, ao que parece, com menos compromissos políticos e com uma mensagem de esperança. Talvez uma boa dica para o nosso primeiro ministro e a sua teoria das oportunidades que as adversidades trazem consigo. Não sei até que ponto é que esta “esperança” é ou não “realista” tendo em conta as descrições elogiosas ao verossímil trabalho dos atores e da atmosfera social retratada pouco dada a auroras cor-de-rosa, ou vermelhas, mesmo.
Melodramático, mas não meloso, dizem, este filme de Chris Weitz (o realizador dos primeiros “American Pie”! – não sei será bom cartão de visita; eu até nem desgosto…) , o filme deu algum protagonismo a Demián Bichir (que entra na série “Erva”), tendo-lhe valido uma nomeação para o Óscar de melhor ator.
Definir o cinema de Polanski com os fantasmas que o habitam é um lugar comum. E os lugares comuns são, como o nome diz, espaços partilhados. Há sempre, num filme de Polanski, o olhar daquele realizador que não compreendia a sobreteorização a que eram sujeitos os seus filmes, transformados pelo ócio dos espetadores que se querem sentir espertos, em símbolos freudianos e em elementos sígnicos de semiótica. Polanski sempre quis, apenas, contar histórias, divertir, assustar, preencher o vazio.
Se há algo de insano já nos seus primeiros filmes, a insanidade parental contemporânea parece ser um bom tema de partida. Kate Winslet, Jodie Foster, Christoph Waltz e John C. Reilly prometem um filme centrado no trabalho dos atores e que explora a riqueza violenta das relações humanas quando o verniz social da polidez estala e ressaltam as paixões pelos pormenores. Que as coisas são assim porque somos na maior parte do tempo aquilo que não somos, pode ser a moral que se adivinha. Mas Polanski sempre foi avesso a morais, pelo que, não conhecendo eu a peça de Yasmina Reza, que dá origem ao filme, posso esperar, do que conheço do resto da obra desta dramaturga, uma crítica bem-humorada dos maus humores que nos tomam sempre que tocam naquilo que julgamos amar. Uma “dramédia” sem grandes preocupações metafísicas.
Amanhã, no São Mamede, às 21 e 30. Sessão do Cineclube, julgo eu… que já não sei destrinçar o que é da responsabilidade do Cineclube e o que é da CEC… mas isso agora não interessa nada.
Vencedor da Palma de Ouro em 1962 (tendo vencido a filmes de Antonioni, Satyajit Ray, Bresson entre outros, com um júri presidido por Truffaut!) e nomeado para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, “O Pagador de Promessas” é um filme de forte conteúdo político, baseado numa peça de Dias Gomes, autor confesso de esquerda, mas que não deixava de ser crítico em relação à apropriação dos sonhos dos simples pelos que se julgam salvadores do (seu) mundo, incluindo, também, os camaradas da reforma agrária. A fé de Zé do Burro, sincrética e confusa, como qualquer fé, incluindo a dos Santos, segue em direção à Terra de todos eles, em paga da cura do seu melhor amigo (e quem seria ele?) por Iansã, Santa Bárbara, ou como que lhe queiram chamar, para encontrar apenas o caminho do sacrifício.
Exemplo magnífico de uma cinematografia tão mal conhecida em Portugal, mas para a qual estamos tão receptivos, como se tem visto ultimamente, pode ser visto amanhã no Cineclube de Guimarães – no São Mamede, ainda na onda quente de Salvador da Bahia, na mesma sala onde ainda há pouco mais de um mês víamos a antestreia de “Capitães da Areia”. Uma oportunidade a não perder, oxente! Entrai no terreiro de alma aberta. Ah, e aproveitem para se fazerem sócios do mais antigo Cineclube de Portugal, já agora.
O que escrevi num post anterior sobre este filme não era perfeitamente correto. Afinal, a promessa da vinda de um ator ou alguém “importante” era para a antestreia de um filme “surpresa” que está agendado para o final deste mês. Houve a feliz coincidência de ser hoje o aniversário do Cineclube, com direito a bolo e a espumante. Mas como diria Jung, não há coincidências. O filme é competente na sua função de contar uma história, e o tema é cronenberguiano o suficiente, não tanto no estilo quanto nas obsessões pelas perturbações interiores das personagens.
A presença de Michael Fassbender num filme com uma óbvia relação temática ao filme “Shame” que tem tido algum destaque no “Ócio”, é outra não coincidência a analisar por quem se interesse pelos fenómenos da consciência coletiva. Haverá no ar a urgência de um novo confronto das pessoas com os tabus e repressões, numa altura em que a Sida parece deixar de determinar a forma como as pessoas se relacionam em termos sexuais? A liberdade sexual dos anos 60 está a dar lugar a um fenómeno diferente, mais científico e racional, em contraste com a liberdade mística catalizada pelas drogas e pela arte psicadélica?
Repegar em Freud e Jung numa altura em que já ninguém os utiliza como referentes obsessivamente utilizados na arte – já lá vai o tempo em que um objecto cilíndrico era sempre a representação do falo, e quem o dissesse passava por ser muito culto – é também assumir uma forma desencantada, mas não menos misteriosa e fascinante de viver a sexualidade. Por isso, este filme, não sendo um filme virtuosístico de Cronenberg, é um filme certo na altura certa, e que reequaciona a herança daqueles que incluíram o mistério dos impulsos e instintos inerentes ao ser humano nos dilemas de quem quer ser livre, feliz, ou os dois.