Quinta-feira, 24 de Julho de 2008
Soneto 57 (William Shakespeare)

Sonnet 57, de Chris Devany

 

Em primeiro lugar, quem sou eu para traduzir Shakespeare? Ninguém, é certo.

Em segundo lugar, quem sou eu para me comparar a Vasco Graça Moura? Ninguém, é certo. Devo referir, aliás, que muito respeito este poeta português, ainda que mais pela poesia de sua própria lavra que pelas suas versões/traduções dos clássicos.

 

Finalmente, pedia (imploro mesmo) que comentem as duas versões em português que abaixo apresento do mesmo soneto de Shakespeare. Quando falo de comentar, não estou a pedir que me afaguem o ego (se é que seria merecedor de isso) mas que digam qualquer coisa. Nem que seja a manifestação da vossa indiferença. Notem que a tradução literal do soneto não é difícil - o único problema, técnico, consiste em manter a forma de soneto.

 

Não vou comentar nem as minhas opções nem as de Vasco Graça Moura. Mas gostaria muito de ouvir, desta vez, algum comentário. Sei que tirando raras excepções, os poucos leitores fiéis que tenho abstêm-se de me comentar (eu sou um bicho papão), mas neste artigo gostava mesmo de ouvir a vossa opinião.

 

 

Being your slave what should I do but tend,
Upon the hours, and times of your desire?
I have no precious time at all to spend;
Nor services to do, till you require.


Nor dare I chide the world-without-end hour,
Whilst I, my sovereign, watch the clock for you,
Nor think the bitterness of absence sour,
When you have bid your servant once adieu;


Nor dare I question with my jealous thought
Where you may be, or your affairs suppose,
But, like a sad slave, stay and think of nought
Save, where you are, how happy you make those.

So true a fool is love, that in your will,

Though you do anything, he thinks no ill.

 

(versão original em inglês de William Shakespeare)

 

 

  

Sendo-te escravo, que farei senão

cuidar-te a tempo e horas do desejo?

Não tenho ao tempo cara ocupação,

Nem, sem que o peças, de servir ensejo.

 

E não censuro a hora sem ter fim

Em que as horas por ti, senhor, vigio,

Nem penso a atroz ausência, amargo-a sim,

Porque a teu servo deste um adeus frio.

 

Nem ouso questionar em meu ciúme

Onde possas estar e o que é que fazes:

Um triste escravo nada mais presume

Salvo onde estás, que a sorte a outrem trazes.

 

Tão louco é amor que quer no teu Will

(haja o que houver) nada pensar de vil.

 

(versão de Vasco Graça Moura)

 

 

 

Teu escravo, que mais poderei fazer

Que sempre responder ao teu desejo?

Nada me custa o tempo despender,

Nem eu livre do teu querer me vejo.

 

Nem maldigo o não-acabar dest' hora

Em que eu, a vós submisso, o tempo meço

Nem remoo na amarga demora

Por vosso adeus causada, em que me empeço.

 

Nem pergunto, no meu ciúme imenso

Pelo que te ocupa nem onde estás.

Assim, quieto escravo, em nada penso

Mais que na alegria que a outros dás.

 

Louco o amor, seja a tua vontade

Como for, nunca a terei por maldade.

 

(versão de Manuel Anastácio)

publicado por Manuel Anastácio às 11:48
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De Gerana a 25 de Julho de 2008 às 02:48
Está mais do que claro, está óbvio, que o tradutor Vasco deixou o 'Will" propositadamente. Só não vejo a necessidade disto. Foi, inclusive, um dos pontos negativos em que encontrei.
De Manuel Anastácio a 25 de Julho de 2008 às 07:52
Sim - se VGM não tivesse optado por manter o Will, ou não quisesse interpretá-lo como sendo a pessoa do próprio poeta (fazendo a identificação entre poeta e o próprio desejo?), não teria eu mesmo "the will" de fazer a minha versão. Há, pelo menos, provocação da parte de VGM. Só isso já reverte a seu favor... O que é triste é que as pessoas reverenciam as traduções de VGM sem as questionar. E creio que o VGM será, com certeza, o primeiro a deplorar isso, porque é sinal de que não o lêem com atenção. É triste sermos provocadores e toda a gente ignorar solenemente essas provocações.
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