Dizem que os olhos são as janelas da alma. Nesse caso, o olhar é uma varanda. A varanda de uma casa tem associada a si mais do que uma paisagem, a sua negação ou a intrusão sobre os interiores da frente. Cada varanda é um filme realizado pelo acaso. O arquitecto pode recomendar olhares ao dispor as varandas de acordo com as suas opções estéticas, filosóficas ou políticas, mas o grande autor do filme que se vê em cada varanda é sempre o Acaso. Mesmo A Varanda - aquela que tem precedência sobre as outras no plano do que é projectado está sujeita a ser tapada ou descoberta. As varandas são o filme, mas não o determinam, ainda que sobre elas possam convergir, episodicamente, acções como manifestações, implantações de regimes políticos ou simples serenatas amorosas. O arquitecto pode obrigar o olhar, da janela, a dirigir-se para o prédio cinzento da frente. Por descuido ou por sadismo, pode fazê-lo. A janela obriga a uma direcção. A varanda permite olhares oblíquos. Permite debruçarmos o corpo em perigo e sentirmos o vento como se o corpo da casa rasgasse o solo fazendo-nos reis do Mundo. A janela obriga a um olhar, a varanda obriga a escolhermos e a habitar os olhares que escolhemos.
Deste olhar, na varanda, à esquerda, vê-se o telhado do Paço dos Duques de Bragança, com as suas chaminés altas e cilíndricas, exportadas pela mente de um arquitecto que não fazia ideia de como seriam as primeiras. Nem ele nem nós. Mas deixo as chaminés para depois. Hoje, o meu olhar cai para as árvores na encosta e para as varandas subentendidas entre a folhagem das tílias e dos carvalhos. Num olhar oblíquo, salpicado por chuviscos de Verão, abrigado pelo abraço da Penha. Também ela, uma varanda. De madeira, granito e névoa.