Há histórias verdadeiras que parecem mentira pelo simples facto de conjugarem em si uma infinita beleza a essa tão rara aparição chamada justiça. Seria justo todos encontrarmos o amor, e não são poucos aqueles que nele tropeçam e injustamente o rejeitam como lixo. Seria justo recebermos a retribuição dos outros conforme o nosso esforço, dedicação e mérito. Mas é tão rara esta carícia do Universo, que todo aquele que teve a felicidade do seu beijo retribuído devia, por força, seguir o caminho dos justos - infelizmente, há quem sendo justamente acarinhado pelo Universo, pela sua ingratidão consiga transmutar a justiça em perversão. Não é o caso de um cantor norte-americano, Sixto Rodriguez, que escreveu e interpretou algumas das peças musicais mais verdadeiras da sua época. Em 1970, lançou um álbum chamado Cold Fact e em 1971, o álbum Coming from Reality. Neste último, uma das canções começa pelo verso “Cause I lost my job two weeks before Christmas“. É uma canção com um suporte poético perfeito, na forma e no sentido. Curiosamente, era também uma certeira profecia. Rodriguez, duas semanas antes do Natal viu o seu contrato rescindido, já que os seus álbuns tiveram vendas praticamente nulas e desapareceu, tal como os seus discos. Podia terminar aqui. Mas às vezes, o Universo ri-se da nossa humilde ignorância. Não se sabe como, os álbuns de Sixto Rodriguez chegaram a uma África do Sul amordaçada pelo Apartheid, e tornaram-se, durante décadas, um símbolo de justa subversão para os sul-africanos de etnia europeia. Rodriguez tornou-se naquela metade daquele país, mais importante e popular que Elvis. Nos Estados Unidos ninguém sabia quem era. Na África do Sul, ouvido e amado, ninguém sabia também quem era o bardo das suas inquietações, e nasceu o mito de um cantor-poeta maldito que se tinha imolado no fogo em palco. Até que dois sul americanos quiseram saber mais sobre este homem, e como tinha sido a sua morte heroica, e descobriram que o seu profeta era vivo. A história, simplesmente emocionante, é contada no filme que ganhou, este ano, o Óscar para Melhor Documentário, “Searching for Sugar Man” e é digna de ser contada a todos, não porque haja qualquer moral ou verdade metafísica a retirar-se de um caso absolutamente excepcional, ocorrido com um ser humano absolutamente excepcional, mas porque todos precisamos, por vezes, de um conto de fadas. E quando esse conto de fadas nos é oferecido pela própria realidade, é como se fosse a nós, sapos, que coubesse a sorte de sermos beijados pela princesa... e quantas vezes não o somos, sem o sabermos.