O horror é uma criança sorridente
que em riso perde um dente como quem perdesse um olho.
A tragédia é um velho rabugento
que, à desdita amorosa adolescente, franze o sobrolho.
O horror é nada. Sangue, tripas, carnificina
Tudo material de oficina de ourivesaria, e da mais fina.
Qual o rubi capaz de brilhar com mais glamour
que o sangue encastoado em baionetas, navalhas
e seringas infetadas?
O horror é a festa de toda a inocência de um livro da Condessa de Ségur.
Vem a cheia, o tornado, o pobre esfaimado, tudo vibrante de violência,
dar cor ao desespero. Nada mais belo que o ódio a cintilar, refletido
nas lágrimas de um choro sentido, da vítima a fraquejar até à morte.
Como são lindos os farrapos góticos da terra revolvida dos cemitérios,
as colagens surrealistas dos detritos dos hospitais,
o choro que precede o suicídio. Como é belo...
Como seduz o povo em via sacra, arrastando-se sobre as arestas
das escadarias
dos santuários
imprimindo, em cada alma lavada na dor, o sangue seco dos sudários.
Como é belo o horror, de porte atlético, esquelético,
dependurado na cruz do seu santo e justificado estertor. Como é suave a carícia dos espinhos
dos cilícios
dos suplícios.
Incontáveis os benefícios de em tais malefícios, sorridente, me albergar.
Que felicidade.