De cane et asino, Francis Barlow, 1687
Certo dia, a um fazendeiro,
dono de um burro escorreito,
em visita, em que era useiro,
ao jumento, seu eleito,
deu-lhe p’ra levar um cão
de colo junto ao seu peito.
O canito, folgazão,
lambia-lhe, doido, a cara,
pedindo-lhe uma ração
com que o burro não sonhara
em momento algum da vida.
Vendo tal ternura rara,
nunca a ele despendida,
sentiu subir-lhe às entranhas
uma inveja desmedida.
Pensou, pois, em artimanhas
que lhe pudessem valer
do dono graças tamanhas.
Pensou então em fazer
Ao amo o que o cão fazia.
Dispôs-se para o lamber
de igual modo, nesse dia.
Assim pensou, assim fez
o que o ciúme pedia
e foi às duas por três
que lhe quis subir p’ra cima.
E como cabra-montês,
ao proprietário se arrima
com enorme estardalhaço.
Se de início bem se anima
a valente e grosso abraço,
vira o vento, vai de viagem
com pancadas no cachaço
dadas pela criadagem.
Grita o dono, zurra o burro.
Correu mal a homenagem.
Leva no focinho um murro
e fica de cara à banda.
Mesmo que isto cheire a esturro,
a lição não é nefanda
e acontece frequentemente.
O amo quer, pode e manda,
e a lei assim consente.
Quem jumento assim nasceu,
Por muito que se atormente
só o jugo terá, de seu.
versão de Manuel Anastácio