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Como dizia a PIDE, está tudo ligado. Ontem, vi a excelente peça de Valter Hugo Mãe, Canil, em que alguns revolucionários não comunistas, perdidos na sua impotência enjoada e movida a gelados de má qualidade, tentavam, a contra-relógio, defender a dignidade dos trabalhadores numa revolução em que tudo corre mal à conta dos instintos caninos de desejo e repulsa, de cio e de pânico. Em Cosmopolis, o universo alegórico é o mesmo, ainda que invertido. O senhor do capital vive como um cão, fornica como um cão mas deseja a eternidade como ela existe apenas no coração do ser humano, confusa e feita de insatisfação e fome, como diz a Carla, e de um desejo paradoxal de anulação, como subentendo nas palavras do Pedro. Também a contra-relógio.
Não penso, como João Lopes, no discurso de apresentação do filme, que este seja um objeto cinematográfico que se prolongue para lá das fronteiras do universo de Cronenberg. Já em Crash, em Videodrome, em Dead Ringers, havia este universo de insanidade aliada ao fetichismo tecnológico – e a economia capitalista não é mais que tecnologia, ou engenharia, se assim preferirem. A economia anticapitalista também, mas é menos dada aos prazeres sadomasoquistas. Há sempre, no fetichismo, o mal estar de se amar o poder de um objeto que nos é estranho e nos impõe uma forma de ser nem sempre conforme aos nossos desejos assumíveis. Isso aparece, até, em filmes mais académicos como no recentemente aqui falado, Um Método Perigoso.
Não é a obra prima de Cronenberg, mas tem um traço cronenberguiano feroz e capaz de fazer muita menina maluca pelo Vampiro de Twilight abandonar a sala antes do filme acabar, confusa com os diálogos densos. E isso só valoriza o filme e faz subir Robert Pattinson muitos pontos na minha consideração. Cinema à moda subversiva de Cronenberg, como os seus aficionados há muito esperavam voltar a ver. Volto a dizer: não é uma obra prima, mas acompanha bem aqueles outros filmes que deram nome ao realizador.