Quinta-feira, 26 de Maio de 2011

Há dois anos atrás não sabia nadar, yô.

 

Hoje, desenrasco-me.

 

Duas vezes por semana, mergulho sem vontade, ou muito cedo ou ao fim do dia, nas piscinas do Vitória (antigas piscinas dos Bombeiros) e saio de lá de alma lavada, com vontade de ficar a flutuar ali como se não houvesse amanhã, nem política, nem testes para corrigir, nem actas (atas) por escrever, nem relatórios, nem formulários, nem mails, nem males, nem a sombra da miséria, nem crianças a morrer de fome lá longe, nem a minguar de fome aqui perto (e não estou a exagerar, há disso por muito que custe a ouvir ao Senhor Magalhães aqui do bairro). No Verão, passei de não-frequentador de piscinas e afins, no mais fanático chapinhador. Estou sempre à espera que alguém deixe cair uma moeda, uma pulseira ou os óculos de natação (de que eu não prescindo) no fundo. E eu atiro-me, como aqueles miúdos do Terceiro Mundo que se lançavam ao atracar dos navios quando os milionários atiravam moedas para o abismo só pelo espectáculo de (não) vê-los a subir à tona. Sempre recebi agradecimentos, graças a Deus. Mas ali,vendo as traves do tecto, flutuo como o Nanni Moretti no "Palombella Rossa", entre as desilusões do mundo - as que ainda não conhecemos, porque esquecemos - e as que sabemos de cor, como as cenas mais sentimentalmente cruas do "Doutor Jivago" (que já recomendei ao Tiago, porque nem só de Eisenstein vive o Homem).

 

Ainda não sei nadar bem de bruços e ainda dou os primeiros passos na mariposa. Tenho uma rigidez nas pernas que ninguém sabe explicar. A pernada de bruços exige descontração. E eu sou tenso como os diabos. E sempre que exijo demais das pernas, tenho cãimbras que me tornam as barrigas das pernas grávidas como se de lá fossem sair alguma Atena de capacete. A professora diz para eu comer bananas, por causa do magnésio-ou-sei-lá-o-quê. O professor é mais paciente (em termos profissionais, os homens são mais pacientes, não são?). Apenas diz que com a prática tudo vai ao sítio. Comecei a fazer cambalhotas para virar há coisa de poucos dias e dou sempre com as pernas ao lado. Mas há dois anos, não sabia nadar, yô.

 

Hoje, posso ser um empecilho para uns gajos que têm ar de quem vai votar CDS (vê-se pela pinta), mas prometi, em conversa de balneário, que para a próxima faria tudo para engonhar ainda mais na piscina enquanto aqueles tipos que fazem mariposa como se fossem levantar voo tenham de fazer golfinho assim que as suas trombas experientes baterem nas minhas pernas rígidas. O professor disse para ficar mais uns bons minutos a treinar a pernada de bruços. E os gajos amandaram-se à água e fingiram que não estava mais ninguém. Da primeira vez, julguei que estava a atrapalhar profissionais. E eles tudo fizeram para confirmar a minha ideia. E eu, atadinho que sou, saí da piscina. Hoje, o gajo com cara mais CDS-PP ficou ali especado à espera que eu saísse. Não há maior insulto que esse. Nasceu dentro de uma piscina e julga por isso que é dono da mesma. Do género "estou à espera que os amadores saiam". Era uma lambada naquela tromba de personagem de romance de literatura light, que ele não se punha direito enquanto não lesse "Os Esteiros" do Soeiro ou "As Vinhas da Ira" do John. Mas não. Voltei a sair. Não sou gajo de luta. A minha luta é outra. Sou de esquerda, mas reflicto antes de usar cocktails molotov. Da próxima faço mais quarenta e cinco minutos de pernas de costas. Ando 5cm/h, a não ser que consiga relaxar os músculos do pescoço, o que para mim é difícil, habituado que estou a curvá-lo, mais por gentileza ou vergonha na cara que por submissão. Mas os outros não entendem assim. É por isso que vou engonhar da próxima vez. Há greves que ainda fazem sentido.

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publicado por Manuel Anastácio às 00:22
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