Sábado, 25 de Fevereiro de 2017
Todos os poemas

A má poesia é dizer lágrimas

Silêncio

Marés

Lua

É dizer corpo e suor.

É discorrer sobre orvalho, geada e flores.

É convocar dores em apóstrofe.

É fazer chorar guitarras

E rimar com cigarras o coachar das rãs.

É dizer noite com palavras diurnas.

É cobrir o sol de gargalhadas soturnas

E abafar a luz com a melancolia do amor.

É usar o ponto de exclamação

E reticências.

É falar do coração!...

De coração. É saltar cacofonias.

É transmutar palavras em excrescências.

Fazer do verbo quistos e tumores.

É dizer o que se quer esconder;

Fingir que as alegrias são dores;

E explicar o que ninguém quer, mesmo, de todo, saber.

 

Má poesia é toda a poesia.

Nem Homero, nem Virgílio nem Pessoa.

Nem Pessanha, nem Dante nem peçonha.

Só os doidos a escrevem,

Nos espavoridos esgares da ronha,

E a recitam em veludos de hipocondria.

Entretanto, outros passarão por ela

E verão nas formas do seu caos

Sublimes cânticos de profecia.

É assim a pior,

Como será, provavelmente, a menos má,

E mais inútil, da poesia.

 

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publicado por Manuel Anastácio às 23:30
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