A arte de perder não exige grande perícia;
tantas coisas se afiguram moldadas ao intento
de se perderem, que a sua perda não é notícia.
Dá aos extravios autoridade vitalícia
sobre chaves ou sobre a hora entornada ao vento.
A arte de perder não exige grande perícia.
Depois, pratica-a arduamente e fá-la mais propícia
a lugares, nomes, ou destinos sem provimento
para viagens. De nenhuma se fará notícia.
Perdi o relógio de minha mãe. E, sem sevícia,
três casas onde não terei já acolhimento.
A arte de perder não exige grande perícia.
Perdi duas cidades e, com elas, a primícia
dos meus domínios, rios, o mais vasto monumento.
Sinto-lhes a falta, mas perdê-los não foi notícia.
—Até perder-te (a tua voz, teus gestos de carícia
em que me perco). Mentir não teria cabimento:
A arte de perder não pede especial perícia
nem que pareça tão (diz!) uma tão triste notícia.
Versão de Manuel Anastácio
A arte de perder é tão fácil de dominar;
A tal destino se prestam tantas coisas na vida
Que, por perdê-las, não se afigura qualquer azar.
Perde algo todos os dias e faz por concordar
com a perda das chaves ou da hora consumida.
A arte de perder é tão fácil de dominar.
Depois, pratica o perder mais e mais, sem abrandar:
lugares, nomes, ou a direção apetecida
de viagens. Nada por que te tentes a chorar.
Perdi o relógio da minha mãe. E vi escapar
três lindas casas, de uma a outra, despedida.
A arte de perder é tão fácil de dominar.
Perdi duas cidades. E, de que serve contar,
dois rios, um continente, tanta terra invadida.
Sinto-lhes a falta, mas pouco ou nada a lamentar.
E perder-te (a graça da tua voz, esse teu ar
que tanto adoro), digo em verdade desimpedida
Que a arte de perder é fácil de dominar.
Mesmo que pareça (diz!) grave coisa a lamentar.
Tradução de Manuel Anastácio
A formiga-da-madeira silente vigia, e olha
para nada. E nada se ouve, antes goteja da negra
folhagem e dos suspiros profundos da noite
no desfiladeiro do verão.
O abeto ergue-se como ponteiro de relógio
em espinhos. A formiga reluz na sombra do monte.
Grita um pássaro! E, por fim. As nuvens amontoadas, lentas
iniciam a retirada.
Numa manhã de inverno sentes como esta terra
mergulha em frente. Contra as paredes das casas
uma corrente de ar, beija-nos
fora do seu abrigo.
Rodeada de movimento: a tenda do sossego.
E o leme secreto do rebalho em migração.
Saído da escuridão invernal
sobe um tremolo
de instrumentos escondidos. É como estar
debaixo de altas tílias com o zunir
de dez mil
asas de insetos sobre as nossas cabeças.
Olhai a árvore cinzenta. O céu correu pelas
suas fibras descendo à terra-
só uma nuvem encolhida fica esquecida quando
a terra se embriaga. Espaço roubado
retorcido em pregas, entrelaçado
com verdura. - Os breves momentos
de liberdade crescem em nós, vórtice
através das parcas e mais além.
Versão de Manuel Anastácio