Segunda-feira, 25 de Março de 2013
Ócio: A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmatt


A quem veja “A Visita da Velha Senhora” será impossível não fazer paralelismos com a situação política e económica do nosso país. Uma cidade, em profunda recessão, recebe uma velha milionária (desempenhada por Maria João Luís) pronta a injetar capital nas veias da população em troca de um pequenino favor. Há, na sexualidade mal resolvida desta velha senhora, um eco daquela gente que, ao longo da história, tem sublimado e fetichizado, no toque do ouro e do poder, as frustações de um desejo insatisfazível e devorador de almas. Na impossibilidade de copular com o ser amado, decide o ser rejeitado ***** o resto da humanidade. Talvez não seja assim, mas dá-nos uma certa satisfação pensar que sim: que os Calígulas nas suas orgias insanas apenas procuram uma réstia do tremor nas pernas provocado por aquele beijo recusado e sepultado nas coisas que nunca se farão. Um clássico de Friedrich Dürrenmatt, encenado por Nuno Cardoso. Sábado de Aleluia, antes da vigília pascal. No Grande Auditório do Vila Flor.

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publicado por Manuel Anastácio às 13:03
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Domingo, 20 de Maio de 2012
Resumo de “A Tempestade” para quem não tem tempo de ler a peça antes de ir ver os Footsbarn

 Kusruti Kani na "Indian Tempest" (foto de um ensaio), dos Footsbarn. Foto de José Caldeira

 

Próspero, um mágico parecido com o Gandalf, era o duque legítimo de Milão. O seu irmão, António (ajudado por Alonso, o Rei de Nápoles) fez um golpe de estado e mandou-o mar fora com a sua filha de três anos,  Miranda  (na peça, a indiana bonita da fotografia – Kusruti Kani), sendo apenas ajudado por Gonzalo, conselheiro do rei que lhe providencia o necessário para a sua sobrevivência, mais os seus queridos livros.  Durante doze anos, fica exilado numa ilha com Miranda. 


Próspero domina Ariel, um espírito (na peça, o gajo que usa corpete, até porque tem nome de gaja mas pouco aspeto disso), depois de este ter sido salvo da dominação de uma bruxa, Sycorax, mantendo a sua lealdade à custa de promessas de futura liberdade.


Ariel tem um filho, Caliban, o único habitante não-espírito da ilha. Um monstro (esse é fácil de identificar) que ajudou Próspero e Miranda a sobreviver na Ilha, e que foi por eles doutrinado na sua língua e religião (colonialismo?), ao mesmo tempo que é escravizado depois de ter tentado violar Miranda. Caliban fica ressentido e, Miranda e Próspero, enojados com a sua presença.


No início da peça, Próspero, já na ilha, adivinhando a presença do irmão num perto da ilha, faz o barco naufragar com uma violenta tempestade. Com António está Alonso, Rei de Nápoles, o seu irmão, Sebastian e o seu conselheiro, Gonzalo, todos à vinda do casamento de Claribel, filha de Alonso com o rei de Túnis.

 

Próspero separa, através de artes mágicas, Alonso e o seu filho, Ferdinand (o Haris Haka Resic, com pinta de Johnny Depp nos Piratas das Caraíbas), de modo que estes presumem a morte um do outro.

 

Caliban encontra-se com Stephano e Trínculo, dois bêbados, que ele acredita terem vindo da lua (cenas cómicas garantidas para a criançada). Estes tentam usurpar o poder a Próspero e falham.

 

Próspero pretende que Miranda e  Ferdinand se apaixonem, o que acontece de imediato, mas como para “fácil empresa, pequena recompensa”, dificulta as coisas e escraviza Ferdinand, fingindo que o julga um espião.

 

António e Sebastian, entretanto, pretendem matar Alonso e Gonzalo, de modo a entronizar Sebastian.  Ariel impede-os, a pedido de Próspero, aparecendo aos três traidores na forma de hárpia (uma cena feliz com um pássaro negro manipulado por vários atores) que os repreende, ao mesmo tempo que os faz  aproximarem-se de Próspero.

 

No fim,  Próspero perdoa a traição de Alonso,  António e Sebastian, e dá-lhes um sermão. Ariel é encarregado de levar toda a gente para Nápoles em segurança, onde Ferdinando e Miranda se casam. Depois deste último trabalho, Ariel fica livre. Próspero renuncia às artes mágicas que cessarão com os aplausos do público. Quando Caliban se deita para dormir, finalmente livre, na estrutura alta do palco, com chamas à sua frente, é altura de bater palmas. A peça acabou.

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publicado por Manuel Anastácio às 19:44
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Indian Tempest, dos Footsbarn

 

Haris Haka Resic, no "Indian Tempest" dos Footsbarn. Foto de José Caldeira.

 

A marca que os Footsbarn deixam nos locais onde passam vai para além daquilo que exibem nos seus espetáculos. Trazem consigo uma ideia romântica de liberdade e fraternidade que confunde os sedentários.

 

A sua maneira de fazer teatro reflete esse cosmopolitismo que não esquece as raízes culturais, ao colocarem cada ator a representar na sua língua. Um exemplo inspirador das virtudes do multiculturalismo.

 

Nesta peça convém que o público procure esquecer a história, “A Tempestade” de Shakespeare). Mas se a ler antes, ou à sinopse, pelo menos, mais facilmente seguirá e relacionará a teia de pormenores de que é feita, onde a linguagem universal da música, das expressões faciais, das luzes e sombras e dos adereços primitivos e exuberantes contam outras coisas que as palavras não dizem.

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publicado por Manuel Anastácio às 19:40
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Sábado, 17 de Outubro de 2009
Jardim Zoológico de Cristal, de Tennessee Williams, "Ao Cabo Teatro"

Estreou ontem, no Pequeno Auditório do Centro Cultural Vila Flor, a peça "Jardim Zoológico de Cristal", de Tennessee  Williams, pela "Ao Cabo Teatro". Há muito tempo que não ia ao teatro. Para ver uma peça para gente adulta, pelo menos. Gosto muito de cinema, mas o intimismo do momento que se esvai e que não está cristalizado em lado algum jamais poderá ser tomado pelo abraço das câmaras. Já tinha visto a adaptação de Paul Newman, era eu um pequenote e lembro-me bem do unicórnio decepado, como uma castração que se toma de forma resignada e triste, afinal, vivendo-se numa sociedade castrada, só sem o fálico e viril corno poderá um unicórnio, enfim, dialogar com os outros cavalos. Há destes sacrifícios e mutilações necessárias à integração social, ainda que a integração apenas ocorra no plano simbólico dos pequenos bibelôs atrás dos quais Laura se perde no seu mundo de sussurros quebradiços e lágrimas de cristal.

 

Maria do Céu Ribeiro, no papel de Amanda Wingfield, foi correcta. Não havendo a possibilidade de fazer a transposição do sotaque sulista para o português, deu alguma dose de irreverência à personagem, embora tenha para mim que um pouco de nasalidade de Cascais cairia perfeitamente na tradução fonética. Laura, desempenhada por Micaela Cardoso, conseguiu momentos de pura empatia com a solidão. Luís Araújo, como Tom soube tomar nas mãos o difícil papel de evocador e conseguir tomar em ambas as mãos o egoísmo e a dignidade da personagem. Romeu Costa, Jim O' Connor, o arauto da vida e dos sorrisos, trouxe a bonomia necessária para contrabalançar todo o humor negro típico de Williams.

 

Foi a respeito deste humor negro que, à saída, alguém se revoltou contra os risos absurdos da plateia a respeito das graças trágicas com que a peça está semeada. Dizem por aí, incluindo a Maitê, mas também outras pessoas, incluindo pessoas por quem tenho muito afecto, que os portugueses são tristes e não têm sentido de humor. Não concordo. Acho que os portugueses têm até sentido de humor a mais. Um sentido de humor trágico que os leva a rir nos momentos errados. Nos momentos em que o riso humilha o outro. Nos momentos em que a tragédia assola os outros. Pensando bem... talvez tais risos apenas comprovem a insanável tristeza deste povo que esbarrou com o mar e ficou preso entre o medo e a frustração de ficar. Tem um porto no nome, este país. E só ficaram por cá aqueles que não tiveram a coragem de descer às profundezas dos mares que partem dele ou subir às douradas praias abertas a novos e verdes interiores. Há em Portugal, no seu todo, muito desta peça de Williams. Coxos como Laura, entretemo-nos com vidrinhos e fugimos à vida com medo do nosso vómito. O público, apesar de simpático, foi um pouco inconveniente. Incapaz de compreender que há graças que não são para rir, pensando, no dizer desse alguém, que tudo o que é teatro é stand up commedy. Mas faz isto parte da experiência de ir a um espectáculo onde se compartilham emoções com os vizinhos. Faz parte da experiência social de sentir o que os outros sentem. Há sempre ondas de sentimentos entre quem vê um espectáculo. Lembro-me de ver "O Pianista", de Polanski, com o mais empático dos públicos. Ontem, o dia foi mais infeliz neste aspecto. Mas veio apenas transportar para a realidade aquilo que se passava ali em frente, numa (literalmente) caixinha de amostra das aflições humanas. Fossem os risos como os de Jim O' Connor, capaz de, através do sorriso e de uma satisfeita autoestima, compreender e aconselhar aqueles que sofrem, e sairia dali satisfeito.

 

Quando dizem que Portugal é um país triste, tenho de concordar e de discordar. Não tenho grande vontade de rir com vontade de chorar. Dispenso os risos das máscaras. Prefiro um sorriso magoado mas sincero do que gargalhadas lançadas como ópio para as multidões.

 

Falo eu, que gosto de rir.

 

A peça estará ainda hoje (às 20:00) e amanhã (à tarde) no Centro Cultural Vila Flor; dia 31 de Outubro e 1 de Novembro em Santiago de Compostela, no Centro Dramático Galego; a 6 de Novembro no Teatro Municipal da Guarda, a13 e 14 de Novembro no Teatro Viriato de Viseu; a 20 e 21 em Braga, no Theatro Circo; a 3 e 13 de Dezembro no Estúdio Zero, no Porto, a 19 de Dezembro no Teatro Aveirense, a 6 e 16 de Janeiro no Teatro Taborda em Lisboa e a 23 de Janeiro em Portimão (Tempo).

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publicado por Manuel Anastácio às 10:15
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