Bastaria que eles, sempre, em cada ocasião, se perguntassem "o que faria Jesus"? Subiria ao púlpito defender a proibição da entrada de emigrantes? Choraria frente aos caixões de Lampedusa e depois manteria as fronteiras a cadeado? Não. Os Cristãos que enchem as Igrejas e mantêm o poder nas mãos do conservadorismo militar, dos gajos dos submarinos, dos patriotismos, das austeridades (muito pouco franciscanas), parecem ter uma visão muito distorcida daquilo que Jesus faria. Para estes Cristãos devotos dos mercados, Jesus é um pedaço de pau, sagrado, mas não mais que um pedaço de pau, um totem do seu clã. Uma bandeira sem outra moral que não seja a da defesa intransigente da sua cómoda e confortável posição numa cadeia alimentar antropófaga. Cada vez que um cristão conservador se curva reverentemente frente a um crucifixo, Jesus é novamente espetado com a lança da mesma maldade e desprezo com que antes foi sacrificado. Sempre que um político cristão avança com medidas gravosas para órfãos, viúvas, pobres, e deixa as grandes fortunas incólumes, tem a sua própria mão a bater com as canas verdes do ódio e da iniquidade a coroa do martírio. Domine, ignosce eis, quod enim faciunt, nesciunt. Perdoai-lhes, Senhor, que a tua misericórdia é infinita, apesar de apertada. A minha é finita. Tolero porque não tenho outro remédio. O omnipotente és tu.
Depois de um papa cujo único mérito foi resignar-se antes que a Irmã Morte o fosse buscar, os cardeais decidiram, com alguma sensatez, escolher alguém com o perfil necessário para ser canonizado em vida. Francisco sabe já que, quando morrer, começarão a tratar do processo para o tornar oficialmente santo. Oficialmente porque, mesmo segundo os critérios teológicos do catolicismo, haverá com certeza mais santos no céu do que aqueles a quem o Vaticano põe o carimbo de certificação de qualidade. E não vou discutir agora se alguns merecem ou não serem santos. Eu não participo no jogo, quem participa é que deve pôr em causa as regras do mesmo. Mas, ainda assim, este papa, a meu ver, tem sido sobrevalorizado. Eu mesmo embarquei no entusiasmo no simples momento em que ouvi dizer que chamar-se-ia Francisco, o nome do santo que, no meu abalável agnosticismo (inabalável até ao momento), esteve mais perto do ideal cristão da ingenuidade infantil. Acontece que este Francisco não é Francisco de Assis. Pode entrar na morada dos pobres, caminhar entre os pobres, rir-se com os pobres; pode não cair no miserável ridículo de benzer artigos de luxo, como o papa anterior. Mas não é Francisco de Assis, até porque Francisco de Assis nunca desceria à indignidade de ser bispo e muito menos de ser papa. Aliás, como o próprio Jesus Cristo, o mais anti-sacerdotal e anti-hierárquico dos líderes religiosos da história da Humanidade. Hoje, vejo algumas pessoas a abanar ramos de palma e a gritar hossanas por uma bela treta dita pelo papa, treta essa interpretada abusivamente como um sinal de abertura e tolerância da Igreja. No Público aparece “Papa Francisco contra a marginalização dos homossexuais” - título interpretativo de um discurso puramente conservador. Veja-se: “O Papa lembrou que “o catecismo da Igreja Católica diz muito claramente que os homossexuais não devem ser marginalizados [por causa da sua orientação] mas devem ser integrados na sociedade”. Mas também recordou que a doutrina entende os actos homossexuais como um pecado.”. O papa disse, no fundo, que os homossexuais são aceites pela Igreja desde que... não pratiquem a homossexualidade. Só eu, neste triste mundo é que vejo como isto é ridículo?
Repare-se que os grupos neonazis russos que engatam homossexuais na net para os humilharem e torturarem publicamente poderiam subscrever na íntegra este discurso, até porque pretendem, desta forma, dar um corretivo a alguém que, no ver deles, será um pedófilo no futuro. Tudo a bem da integração numa sociedade onde ter satisfação sexual (mútua) com alguém do mesmo sexo é pecado. Heil Papa!
Portugal, o país, nasceu de um puro desejo de poder. Não houve nele desígnios divinos ou um papel predestinado na história da Humanidade. Um rapaz quis ser rei, ou chefe de um bando de gente com força suficiente para se demarcar de outros com o mesmo desejo de dominação, e para isso lutou, matou, roubou. Impôs-se com a sua força e teve a sorte de os outros, por razões diversas, não terem conseguido impedi-lo de alcançar uma independência que não era mais que uma divisão entre senhores, em que o povo não foi tido nem achado. Depois, as lendas foram criando um sentimento de unidade. De Conquistador, Afonso Henriques passou a Libertador, coisa que nunca foi a não ser, talvez, de si mesmo, se descontarmos a ajuda que deu à libertação de alguns senhores do Norte, a um bispo e a algumas comunidades monásticas. Os primeiros a morrer nas batalhas que fundaram este país não lutavam por essa idealização tribal que é a Pátria, morreram porque a isso foram coagidos pela força ou porque tentaram a sua sorte. Mais tarde, sob a bandeira de uma propaganda política sustentada em histórias da carochinha, onde não faltaram milagres e aparições, a ideia de Pátria nasceu. Morrer como português, isto é, como cãozinho fiel a um dono imposto pela ordem da força e da mentira disfarçada de religião, passou a ser uma questão de honra, um livre trânsito para o panteão dos trouxas.
Talvez não seja assim tão simples. Nestas questões, os fautores da mentira são os primeiros a acreditar nela. Daí não faltarem nobres paspalhos elevados a heróis de um valor tão alto como as ilusões de glória e grandeza. Mera vaidade. Morte, apenas. Uma Pátria é um monte de ossos. Por respeito a essa vala de enganos e vidas desperdiçadas, em vez de missas, lápides e monumentos de bronze podia, ainda assim florescer a vida, o riso, a beleza compartilhada. Isso seria uma Pátria, e estaria disposto a morrer por ela. Por uma questão de amor.
Há coisas de tal modo evidentes que não me ocorre senão pensar que o povo português, tão crente nas virtudes dos sacrifícios bestiais e demoníacos, à moda dos pastorinhos e da Senhora da azinheira, como crente na teoria de que a crise se deve aos bifes que andámos a comer a mais, só pode ser um povo de retardados mentais. Todos aqueles que acreditam que o resgate nos veio resgatar de alguma coisa e que a austeridade tem de ser e tem de continuar porque não há dinheiro (dizem eles, repetindo a cassete: "eu também não gosto da austeridade, mas tem de ser, blá, blá, blá"), são os mesmos que apoiam os cortes na cultura, esse sorvedouro do dinheiro dos contribuintes para financiar os delírios duns gajos e de umas gajas de costumes fáceis e sem moral, que se autodesignam de artistas. Acontece que esses delírios dão lucro, dão receita. Há retorno. Nos resgates do FMI temos, de retorno, um abismo cada vez mais fundo, tanto nas contas do estado como na vida e dignidade de quase todos, para lucro de quase nenhuns. Isso devia ser evidente. Mas não é. O meu povo prefere acender velas à mensageira do advento neoliberal1. Falo da Merkel ou da gaja da azinheira? Das duas.
Peço desculpa antecipada a todos os crentes das ditas Senhoras, mas as árvores conhecem-se pelos frutos e destas azinheiras, só vi bolota bichosa e podre que nem aos porcos aproveita.
1. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz. (2.º segredo de Fátima: façam bom proveito deste tempo de paz, que até a senhora diz apenas "algum").
Havia um padre na manifestação de ontem da CGTP, ao lado do povo, solidário com o povo. Os bispos portugueses, por seu lado, mostram bem de que massa fermentada são feitos. "Sentem a importância da explicação, clara e prévia, das medidas que se tomam e das razões que as determinam”. Pode parecer inócua esta frase que, aliás, não é nova e já foi proferida várias vezes por tais abéculas que o povo considera como guias espirituais e portadores de anéis dignos de beijoquice santarrona. Mas não é inócua nem apolítica-apartidária, como muito em má hora está na moda. Dizer-se que as medidas de exploração sádica de um povo empobrecido ao limite têm de ser explicadas tem uma mensagem explícita e imediata para quem os ouve: a mensagem de que estas medidas são justas. Incompreensíveis, mas justas. A Igreja, que tem grande prática em pedir/impor crença em troca de argumentos nulos (chamam-lhe Fé), pede agora resignação aos crentes, e uma dose de reforçada de fé numa coisa que tem explicação, mas que os governantes não têm conseguido explicar. Creio que estes senhores são minimamente inteligentes e sabem bem que a única explicação a dar é a de que este governo, e a direita em geral, só quer uma coisa: rebaixar o pobre à indigência para, assim, se arrogar ao papel sádico do exercício do poder e, simultaneamente, ao papel caridoso e paternalista capaz de aumentar a sua influência na sociedade. À Igreja não interessa, nem nunca interessou, que as pessoas vivam com dignidade, mas que só consigam obter essa dignidade graças aos seus favores, como bem o sabe e pratica a Máfia italiana. Um povo pobre e carente é um povo submisso e fiel cumpridor dos preceitos religiosos. Pode ser um povo alcóolico, minado de vícios: desde que peregrine de joelhos até aos santuários onde se prostitui a ideia de Deus e da santidade, tudo estará bem. A desgraça e a miséria é amiga da religião. Um governo que semeia destruição e desespero é um maná dos céus para as instituições de "solidariedade" social, veículo de vaidades de quem dá com a mão direita fazendo questão de que a esquerda e o resto do mundo o saiba. Não são todos assim, dirão. Pois não, o mecanismo é talvez inconsciente, fruto de uma ação impensada. Haverá, porventura, bondade nesta gente, mas é uma bondade envenenada, alienada, docemente drogada pelo cheiro do incenso e dos rituais; uma bondade nascida de uma maldade profunda, que se compraz nos sentimentos mais dolorosos da alma; uma bondade que se compraz em abraçar leprosos, achando nesse abraço a redenção da sua própria lepra moral; uma bondade que gosta de remediar os males que semeia e que evita a prevenção da tragédia; a bondade de quem lava a cara suja de esterco de quem caiu na latrina aberta por essa mesma vontade. Podia explicar isto melhor? Não, não podia. Nada há a explicar para quem, como Pilatos, lava as mãos e, assim, se embebeda no sangue dos mártires. E há quem prefira viver à espera de explicações que não existem do que em abrir os olhos para os expostos frutos podres da sua caritativa maldade.