Domingo, 15 de Janeiro de 2017
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O Comando de Braga da Polícia de Segurança Pública atribuiu um louvor "pelos bons serviços prestados e competência demonstrada nos policiamentos dos recintos desportivos" ao subcomissário Filipe Silva, o agente  que deu que falar depois de ter sido filmado a agredir um adepto do Benfica à frente de dois filhos menores. Consta que a PSP considera que os serviços prestados pelo oficial "prestigiam a polícia". O subcomissário continua em funções e liderou mesmo o patrulhamento do estádio D. Afonso Henriques no último jogo com o Benfica.

Não cabe à opinião pública julgar quem quer que seja. Mas, estando o senhor acusado pelo Ministério Público de ofensa à integridade física, falsificação de documentos, denegação de justiça e prevaricação, e não tendo sido julgado porque requereu instrução do caso, resta considerar que o Comando de Braga tem uma noção de prestígio algo alternativo. Por outro lado, a PSP tem dado mostras de bom humor na sua página do facebook. Pode ser que seja mesmo anedota.

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publicado por Manuel Anastácio às 23:15
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Segunda-feira, 25 de Março de 2013
Ócio: A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmatt


A quem veja “A Visita da Velha Senhora” será impossível não fazer paralelismos com a situação política e económica do nosso país. Uma cidade, em profunda recessão, recebe uma velha milionária (desempenhada por Maria João Luís) pronta a injetar capital nas veias da população em troca de um pequenino favor. Há, na sexualidade mal resolvida desta velha senhora, um eco daquela gente que, ao longo da história, tem sublimado e fetichizado, no toque do ouro e do poder, as frustações de um desejo insatisfazível e devorador de almas. Na impossibilidade de copular com o ser amado, decide o ser rejeitado ***** o resto da humanidade. Talvez não seja assim, mas dá-nos uma certa satisfação pensar que sim: que os Calígulas nas suas orgias insanas apenas procuram uma réstia do tremor nas pernas provocado por aquele beijo recusado e sepultado nas coisas que nunca se farão. Um clássico de Friedrich Dürrenmatt, encenado por Nuno Cardoso. Sábado de Aleluia, antes da vigília pascal. No Grande Auditório do Vila Flor.

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publicado por Manuel Anastácio às 13:03
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Domingo, 24 de Março de 2013
Ócio: Sombras, de John Cassavetes


Na Blackbox da Plataforma das Artes, um filme de Cassavetes pode ser o mote para uma Guimarães mais intelectual, mais cool, mais jazz. 2012 passou e com ela a obrigação de parecermos inteligentes e cultos, obrigação que nos torna apenas mais patetas. Um filme de Cassavetes é sempre uma experiência intelectual descomprometida com a obrigação de parecermos inteligentes. E este filme, Sombras, de 1959, é uma peça de jazz improvisada sobre personagens que conversam, conversam e conversam sobre o ritmo de um baixo contínuo chamado cidade. Em Guimarães não se conversa, dizem os muito conversadores críticos vimaranenses. Em Guimarães fazem-se coisas, falar é para ociosos. Sombras é um filme ocioso, como só poderia ser ocioso um filme sem guião onde se diz aos atores e não atores para conversarem sem a pretensão de parecerem outra coisa para além daquilo que são. No fim, como em qualquer filme, restam sempre sombras, imagens vagamente semelhantes ao objeto que as imprimiu. E como tudo na vida é, também, um jogo de sombras, ensina-nos este filme que o cinema, como a literatura, o teatro, a música, não é um caminho para a alienação (como defendem muitos intelectuais alérgicos ao celulóide), mas um atalho onde as sombras são escolhidas e depuradas, aumentando as hipóteses de se tornarem, as outras sombras da nossa vida, mais luminosas ou, pelo menos, mais contrastantes. Vamos conversar, então.  Terça feira à noite.

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publicado por Manuel Anastácio às 23:20
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Segunda-feira, 23 de Julho de 2012
Cultura sem muralhas

Em seis meses, que mostra de vida cultural poderíamos dar ao mundo além daquela que sempre moveu Guimarães? Depois de angústias e polémicas, não totalmente alheias ao contexto cultural da cidade, tanto que as Roubalheiras Nicolinas se realizam em dia incógnito; depois de insonsas manifestações de grande profundidade intelectual, como uma memorável largada de balões e a originalíssima ideia de fazer um logotipo humano, as expectativas não eram as melhores. Mas Vimaranense algum pode, sequer, conceber a ideia de a cidade passar a vergonha de ser medíocre neste ou noutro qualquer intento. Maravilhoso feito seria, passar esta cidade por medíocre.

 

Pese o facto abominar touradas, só me pode ocorrer, como arquétipo da força anímica deste povo, aquele milagre que foi fazer renascer uma praça de touros em apenas cinco dias, depois de um incêndio, em 1947. Em Guimarães pode-se dormir e, de manhã, descobrir-se a vergonha de uma oliveira milagrosa cortada à traição. Mas, não sendo possível ressuscitar uma árvore cortada, pode-se erguer o Mito às alturas da Verdade. Passado meio ano, assiste-se à admirável confusão de não se saber o que é feito ou não por obra e graça da Fundação Cidade de Guimarães. E ainda bem. Isso diz muito quanto à forma como apropriámos a ideia de que todos fazemos parte.

 

Chamamos Cultura à manifestação mais profunda do que é ser humano. Mas a vontade superficial de encher praças com batalhas de almofadas, não fazendo parte do programa oficial do evento, e custando à Câmara verbas não previstas em limpeza de espaços públicos, também faz parte. Até faz parte o convite oficial a um artista que veio fazer a sua arte de rua nas paredes de Guimarães, para a Câmara, a seguir, mantendo, de resto, coerência,”limpar”, muito mal, aquilo que terá sido encomendado pela Fundação, alheia, por certo, ao facto de que aqui, por  feia que seja uma parede, não há obra grafitada, por mais artística que seja, que sobreviva a uma camada mal aplicada de estuque semiopaco.

 

Chamamos Cultura à tela que dá a ideia de que a vida faz sentido. As Artes e o Saber formam a urdidura sem a qual seríamos meros fios desagregados em massa amorfa. Para quem, como eu, não nasceu nem cresceu em Guimarães, estes meses alargaram as praças, sempre cheias de bairrismo orgulhoso, para um orgulho maior que o do seu Património Mundial feito de muralhas. A Cultura desfaz muros,não os levanta. E quando vejo nos olhos desta gente a saudade antecipada de um ano que agora vai a meio; e ouço dizer que a autarquia põe entraves à iniciativa popular; e que aquilo que se faz, ocupando praças e edifícios  com a criatividade não oficial do evento só vai sendo tolerado a pretexto e como complemento do programa oficial, só penso que tem de haver neste discurso algum equívoco. Guimarães é mais que as Nicolinas e as Gualterianas, e os corações estilizados dizem mais que “fazemos parte” – dizem que o faremos sempre e que 2012 não vai, nem pode, terminar em Dezembro.

 

Texto publicado na última edição especial do Povo de Guimarães.

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publicado por Manuel Anastácio às 22:10
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Quinta-feira, 31 de Maio de 2012
Fugiu um Condenado à Morte, de Bresson

Publicado ontem, no Ócio:

 

 

À noite, no claustro do Paço dos Duques, com a lua e as estrelas a espreitarem através das chaminés, um ecrã de cinema. Já passou Oliveira, Fassbinder e, hoje, um filme de uma das poucas pessoas que conseguiu conferir à palavra austeridade um brilho e calor em todo oposto à aspereza desumana com que o vocábulo tem andado contemporaneamente a infernizar vidas. Robert Bresson, escritor de imagens, inspirado profeta da liberdade interior, descreve minuciosamente cada gesto mínimo de um homem que foge da prisão. Um conceito de cinema feito de tensão e de paciência, de desejo e calculada e dirigida autorrepressão. Um filme de uma beleza extrema e capaz, no seu minimalismo, de prender qualquer pessoa a uma história de nervos que nos dá paz.

 

Podia ainda dizer que o filme é baseado numa história real (isso, ao que parece, vende) mas é mais que isso (sendo também isso).  Filmado no local onde se passou, com os adereços usados pelo próprio fugitivo, André Devigny, resistente francês, enquanto prisioneiro dos nazis. Podia dizer isso, mas isso interessa pouco. Ou nada.

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publicado por Manuel Anastácio às 07:27
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