Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2015
Educação do meu imbigo

Do ponto de vista da direita, os melhores professores estão na escola pública. São mais bem pagos (pelo menos se não tiverem tido as carreiras congeladas desde o tempo do Sócrates) e, por enquanto, são um pouco mais bem tratados que os dos privados que, se o patrão quiser, vão limpar sanitas. Nada contra limpar sanitas. Mas parece-me que não seja tarefa com mais valia pedagógica. 

Do ponto de vista da direita (PS, PSD e PP, caso não saibam distinguir), os melhores vão para onde o seu excelente desempenho é valorizado. Assim provo o que acima é sustentado.

Porém, para a direita, com os seus rankings e sistemas de avaliação de professores e de valorização do desempenho de escolas, as melhores escolas são do privado.

Partindo agora do princípio que boas escolas têm bons professores... está a falhar-me o silogismo...

...será preciso contratar os professores que escrevem com erros de ortografia.

Porra, o que é que está a falhar no meu raciocínio?

publicado por Manuel Anastácio às 22:26
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Segunda-feira, 21 de Maio de 2012
Alunos I

 

Tristão e Isolda, de Hughes Merle.

 

No primeiro ano em que dei aulas, estava a entregar um teste de matemática a um aluno, do Ensino Especial, e este começou a chorar convulsivamente. Quando corrijo testes nunca reparo no cabeçalho, avalio pelo que é escrito, não por quem o faz ( e tento, sempre que possível, que o Ensino Especial seja o menos especial possível - é discutível, mas ainda ninguém me convenceu a pensar de outra maneira). O aluno chorava, e eu disse-lhe que da próxima faria melhor. Até que uma colega dele disse-me, "Não, stor, é que ele nunca teve um 'Excelente'". Nada sei desse aluno, hoje.

 

Nunca chorei numa última aula, excepto num caso. Uma turma "não excelente", pouco dada a estudar, com problemas de todo o género, mas que se maravilhavam ao descobrir o jogo cama-de-gato, pegando eu, da mão de um aluno distraído, um fio sem destino na vida, estabelecendo-se na sala uma feliz desorganização de miúdos irrequietos, endiabrados e felizes. Um dia, de improviso, pus no quadro, antes do dia dos namorados: "vamos descobrir o par amoroso de... Tristão... Romeu... Abelardo... Adão... Inês... Marie Curie... Heathcliff... Humphrey Bogart... Rick..." - quase todos homens, menos no par Pedro e Inês e Marie e Pierre porque Pedros há muitos, e era vê-los a procurar na net e nas enciclopédias como doidos e descobrindo o nome de Isolda como se lhes caísse o Graal nas mãos. Ninguém descobriu quem era o par do Rick. Lembro-me de um aluno dessa turma, o T***, muito rebelde e indisciplinado (filho de "família" complicada). Pu-lo ao lado da melhor aluna da turma, a C***, muito certinha mas assertiva e que o punha na linha com um olhar apenas. Um dia, descobri escrito no parapeito da janela, onde ele se sentava: "C***, sei que não sou homem para ti, mas és a mulher da minha vida". Ri-me e, a seguir, chorei ao ler aquilo. E chorei e ri, ao deixá-los na última aula, àquelas maravilhas de humanidade, sem vergonha das lágrimas enquanto todos me rodeavam batendo palmas num gesto de amor como há poucos. A única vez em que fiz isso. Nada sei deles agora. Seria tão bom que descobrisse que T*** e C*** eram, hoje, como Humphrey Bogart e Lauren Bacall - o único casal feliz da minha lista. Quem me dera que se sentissem, hoje, como eu.

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publicado por Manuel Anastácio às 20:10
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