Domingo, 4 de Março de 2012
The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore, de William Joyce
Se pensarmos em livros no cinema, é inevitável pensar nas fogueiras distópicas do "Fahrenheit 451" (Grau de Destruição, em Portugal) de François Truffaut, onde o livro é elevado à categoria de objeto proibido, subversivo e potenciador da criação de universos individuais incompatíveis com uma ordem social nascida da formatação por igual, e por baixo, dos cidadãos. Nesta curta metragem, Os Fantásticos Livros Voadores de Mr. Morris Lessmore, o cinema volta a fazer uma homenagem aos livros e à literatura. E, usando mais referências cinéfilas que bibliófilas, usa o objeto livro como personagem principal de uma alegoria facilmente assimilável, terna e verdadeira. O que é um livro? Em termos absolutos, um livro em formato digital é também um livro - e sê-lo-á mais do que um livro fechado a correntes como acontecia no tempo de todas as fogueiras. Um filme, na minha opinião, é um livro, da mesma forma que um objecto de arte poderá ser uma página - e, por alguma razão se chamam álbuns aos conjuntos organizados de interpretações musicais. Um livro é mais que o objeto composto por folhas cosidas a uma lombada e coberto por uma capa, mas será sempre, parece-me, esta a imagem que dele teremos no futuro, mesmo quando os suportes digitais conseguirem atingir a maleabilidade, adaptabilidade e especificidade de cada livro, nas suas características materiais, na sua relação com o leitor. O peso do livro, a sua grossura que diminui a cada página virada, a marca do uso por mãos anteriores, os sinais da sua perenidade deciduidade, são aspetos que não devem ser ignorados na paixão que alguns seres humanos desenvolveram em relação a um dos objetos também mais odiados e constantemente condenados à destruição por parte de outros seres humanos. Este pequeno filme centra-se na relação entre o livro e a morte e, dando aos livros propriedades físicas e biológicas que a eles não pertencem, põe de forma clara a tónica na eternidade do livro enquanto conceito e não enquanto objeto físico, sem que este último mereça menor consideração. O ser humano pode caminhar feliz na estrada da desmaterialização da informação, mas os nossos primeiros livros serão sempre físicos. O primeiro livro de uma criança é o objeto que esta leva à boca, assimilando uma realidade desconhecida à sua única maneira de sentir o sabor do mundo. O ser humano necessita dos objetos como totens ou amuletos configuradores de uma verdade imaterial mas que se relaciona com a realidade material que, para todos os efeitos é, no nosso entendimento, a realidade - por mais que acreditemos em energias e espíritos, e por mais fé que depositemos na falsidade da matéria, quando pensamos em verdade pensamos em objetos alheios a nós, como se nos fosse impossível participar dessa verdade com volume e presença perante a nossa figura fantasmagórica contaminando de falsidade os objetos. Ao mudar uma pedra de sítio, penso: tirei-a do seu lugar próprio, interferi na realidade, tornei falso aquilo que era verdadeiro. Quem escreve sabe bem que, ao escrever, está a dar forma material ou visível a uma verdade que, em grande parte, é mentira, ou mentiras que, na sua mais íntima realidade, são verdades absolutas. A ficção pode muito bem ser mais verdadeira que a não ficção. Basta ler um livro de ciência de há um século atrás e verificar como envelheceram as suas verdades e como cada frase comporta em si o erro, enquanto que os romances que já eram extraordinários naquele tempo parecem mais válidos agora do que nunca. 
Pequenos filmes como este são úteis na compreensão desta relação de amor que estabelecemos com objetos que servem de testemunho de outras tantas relações entre a verdade e a mentira, a posse e a dádiva, a permanência da vida e a imanência da morte. Este filme é um livro. E como qualquer livro, não se encerra nas suas páginas porque suscita outras. Há nos livros uma capacidade reprodutiva e somos nós, que os habitamos transitoriamente, o meio de cultura que lhes permite a disseminação. Quem pega num livro e o abre participa no maior dos acontecimentos do Universo, o único onde todos os acontecimentos foram e continuarão a ser possíveis. E onde a realidade se torna verdadeira quando ainda todos andam no terreno falso de um furacão sem chão, sem pensamentos e sem sonhos partilhados. Que um livro, entenda-se bem, só o é quando passa de mão em mão.
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publicado por Manuel Anastácio às 09:48
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Sábado, 26 de Junho de 2010
Cinema e literatura 3

 

Cameron Diaz na famosa cena que celebrizou um poema de e. e. cummings que inspirou, por sua vez, uma encomenda da Gerana a este tradutor fingido.
Filme "In Her Shoes" ("Na Sua Pele", em Portugal e "Em Seu Lugar", no Brasil).

Há várias formas de recitar ou ler poemas. Não creio que esta seja esplendorosa mas, em termos de pura adequação emocional ao contexto do filme, as palavras tomam toda uma significação pessoal que, ao tomarem um corpo concreto, sublinham a maravilha universal daquele texto. A face de Toni Collette (de uma beleza estranha e magoada) ao ouvir a irmã que, até àquele momento, era, para ela, uma analfabeta a vários níveis, é, também, e simplesmente, uma daquelas maravilhas que mantêm as estrelas separadas.
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publicado por Manuel Anastácio às 13:48
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Sexta-feira, 25 de Junho de 2010
Cinema e literatura 2

Só há uma coisa mais ridícula que escrever poesia. É tentar entendê-la e colher dela a verdade. Não é preciso entender nada, nem há "sim, mas..." mas basta repetir as palavras.

 

Cena do filme "A Tree Grows in Brooklyn", de Elia Kazan.

 

Versos de John Keats:

 

"Beauty is truth, truth beauty, — that is all
Ye know on earth, and all ye need to know."

 

"Beleza é verdade, verdade beleza — e é tudo

O que conheceis sobre a terra, e tudo o que precisais de saber."

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publicado por Manuel Anastácio às 11:23
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Quinta-feira, 24 de Junho de 2010
Cinema e literatura 1

Quatro casamentos e um funeral (1994): John Hannah recita um poema de D. H. Auden.

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publicado por Manuel Anastácio às 11:10
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