Domingo, 13 de Maio de 2012
Achitecture and Nature, por Kengo Kuma

 

Loja Starbucks, em Fukuoka, de Kengo Kuma

 

No salão de entrada da Fábrica Asa, numa construção imponente de tábuas e barrotes aparafusados segundo uma ideia estética mais ou menos conseguida, querendo lembrar uma catedral ou uma mesquita com um coração negro destinado à celebração mística das palavras, Kengo Kuma esteve ontem em Guimarães a falar da sua arquitectura de respeito à Natureza. Começou por falar da força destrutiva da Natureza, onde a fragilidade do que é construído pelo ser humano, e do próprio ser humano só consegue alguma ideia de perenidade ao assumir, paradoxalmente, o caráter transitório dos nossos esforços. A ideia de arquitetura expressa por Kengo Kuma, derivando vagamente de uma concepção existencialista desenvolvida por Heidegger no seu “Habitar, construir e Pensar” vai para lá do respeito ao local para uma concepção ainda mais reverente para com os acidentes naturais, vistos na sua ambivalente compleição de resistência e acolhimento, seja no desnível dos terrenos, obsessivamente mantidos , seja na procura da horizontalidade da água, segundo o modelo, deixando por Bruno Taut na sua passagem pelo Japão depois da ascensão de Hitler ao poder. Ouvir Kengo Kuma é partilhar do profundo respeito pelo poder do lugar, mas também do profundo respeito pelos materiais, desde a madeira que encaixa sem a violência do metal à leveza do coração das pedras. Um exemplo de grandeza e sensibilidade, sem reinventar a natureza – amando-a, apenas.

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publicado por Manuel Anastácio às 15:52
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Sábado, 21 de Fevereiro de 2009
Enciclopédia Íntima: Chorar

Excerto de "Sonata de Outono", de Ingmar Bergman.

 

Quando era pequeno (e ainda sou pequeno) desenvolvi a teoria de que as pessoas choravam para que o mundo aparecesse desfocado. Enquanto chorava, as lágrimas transformavam a realidade cúbica do mundo numa confusão de círculos de luz. E isso era belo. Era o mundo desfigurado onde preferia viver. As linhas rectas pertenciam à estrutura de toscos do edifício onde tinha nascido. Um mundo de sarrafos sujos e onde tudo tinha a utilidade sórdida da economia que não me permitia simplesmente ficar a ler à sombra dos pinheiros que agora já não existem, substituídos que foram pelos eucaliptos que tomaram conta da paisagem da minha infância. No saco onde levava a bucha para os dias de trabalho, levava sempre um livro. Sujo de cimento, li Saramago e Homero. Sujo de cimento, não podia ver os filmes da época áurea do cinema que passavam à tarde na televisão pública e que, ainda assim, e afortunadamente, conseguia gravar num VHS (que ainda funciona), usando o temporizador. Por vezes, os filmes ficavam incompletos. E, por um minuto que faltasse, não os via. Tinha de os ver desde o primeiro ao último fotograma. Quando chorava, o mundo era belo. Os meus olhos tornavam-se câmaras que distorciam a dor de viver e a transformavam na suportável experiência de assistir à dor. O cinema era uma forma de chorar através dos olhos dos outros. De manhã, entre as escoras das cofragens que me cabia a mim desmontar e transformar em pilhas de madeira ordenada e limpa de pregos, imaginava planos que captassem a beleza dos pingentes de argamassa que se formavam entre as juntas das tábuas e a beleza das escoras, primeiro de troncos de eucalipto jovem, mais tarde de extensores de metal, que se iam sobrepondo, tapando e revelando como colunas de uma fria arquitectura imitando grades, em profundidade, frente ao céu rosa das manhãs que se estendiam sobre os baldios à espera de mais construções à moda ortogonal da Maison-Domino de um Le Corbusier que eu desconhecia, quando já discorria, no silêncio do meu cérebro rejeitado, sobre Aristófanes e John Ford. Nessa altura, não gostava de arquitectura. Era a arte perversa de me roubar a infância.

 

Quando era pequeno (e ainda sou pequeno) chorava todos os dias. Era a minha forma de escrever o mundo.

publicado por Manuel Anastácio às 00:18
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Quarta-feira, 24 de Dezembro de 2008
Architectonica perspectiva

Foto de G & Poppe

 

É um univalve, ou molusco de uma só concha, como os caracóis e os búzios. Tem uma concha em espiral que, vista de lado, parece a maquete de um sonho. O nome científico foi-lhe dado por Lineu em 1758.

 


Foto de G & Poppe

 

Quando vi pela primeira vez uma destas conchas, no caso, fossilizada, mais que a perfeição da espiral, que constitui a menos arquitectónica perspectiva que se pode ter desta maravilha natural, fiquei encantado com o nome tão belamente escolhido por Lineu. Fui, depois, à procura de mais imagens na Internet. E descobri o claustro circular que tinha imaginado para o meu conto da Bela Adormecida.

 


Foto de Roberto Verzo

 

Não há na mente humana criação alguma que a Natureza, em algum lugar, não tenha já concretizado. Ainda que na inconsciência das coisas perfeitas.

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publicado por Manuel Anastácio às 08:56
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Domingo, 21 de Dezembro de 2008
João Luís Carrilho da Graça, Prémio Pessoa 2008

Pormenor do Museu do Oriente, de João Luís Carrilho da Graça. Foto de Fernando Guerra

 

Carrilho da Graça é o segundo arquitecto a receber o Prémio Pessoa, depois de Souto de Moura há dez anos atrás. E merece, por razões diferentes das de Souto de Moura. Souto de Moura é dono de uma forma de fazer arquitectura que assenta na relação entre forma e materiais. Carrilho da Graça cria sementes de poesia no espaço sem se impor como criador. Recebe os elementos poéticos a que o lugar apela e adequa-os aos percursos íntimos de quem os vai habitar. Não tem  mérito por causa de qualquer pureza conceptual e linguística que caracteriza, por exemplo, o Siza Vieira, mas porque sabe que a arquitectura reside não nas formas, não nos materiais, não nas relações espaciais, não no projecto, mas nas pessoas. Carrilho da Graça é um criador colectivo, um líder, decerto, de várias sensibilidades que orquestra consoante a partitura que o momento pede - não é um criador pessoal, no sentido estrito e limitador do génio que concebe a obra total, mas o criador que interpreta as vontades e procura o eco dessas vontades no local onde vai intervir. Para isso precisa do saber técnico que determina a forma, mas precisa também, de dominar o saber próprio da compaixão própria dos grandes condutores de orquestra - dos condutores das vontades múltiplas que só ganham sentido através de uma liderança que permite uma emoção de base comum, sem prejuízo de uma posterior experiência subjectiva. E esta característica de Carrilho da Graça é que verdadeiramente justifica o Prémio, mais que a coerência da obra, "que se adequa ao ambiente onde é instalada", ou "a clareza e a limpidez das formas", ou a "capacidade de criar obra nova e recuperar obra antiga, uma função altamente criativa". Vivemos, actualmente, em Portugal, uma grave crise de lideranças própria dos momentos que sempre antecederam os mais trágicos episódios da história. Julga-se que o líder é aquele que impõe a sua vontade, o iluminado, ou, pelo menos, o mais iluminado que poderíamos ter. Carrilho da Graça é um exemplo das lideranças que fazem falta a Portugal. Precisamos de alguém que, como a Blimunda do Memorial do Convento, recolha as vontades. Não de alguém que determine as vontades. A entrega deste prémio é, talvez inconsciente e inadvertidamente, um acto político crítico, lúcido e necessário.

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publicado por Manuel Anastácio às 11:18
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Quinta-feira, 23 de Outubro de 2008
Gosto de... Portugal

Painel de Azulejos na Estação de Caminhos de Ferro de Vilar Formoso: Mosteiro dos Jerónimos. Clicar para ver em pormenor (voltar a clicar na página que abrir).

 

... apesar de Portugal não gostar de mim.

publicado por Manuel Anastácio às 22:21
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