Segunda-feira, 20 de Outubro de 2008
Gosto de... museus

Estatueta romana de um javali em bronze. Proveniência desconhecida. Espólio do Museu de Évora, em exposição no Museu D. Diogo de Sousa, Braga.

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publicado por Manuel Anastácio às 00:32
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Domingo, 12 de Outubro de 2008
Gosto de... Guimarães

Guimarães, parque da cidade, domingo de manhã.

 

Ali ao lado, e agora

O Braga joga com o Vitória.

Faz-se História.

Por vezes, a terra treme,

Tal a emoção que

Irradia

de uma bola e de um relvado.

 

Ali mesmo ao lado,

As terras tremem.

E gritam que a outra é merda.

Com mútuo consentimento.

 

Ali, ao lado, e agora

O Braga joga com o Vitória.

Ou talvez não.

Talvez seja a Selecção.

Eu é que não sei.

 

Ali ao lado e agora,

Em transmissão directa,

Enquanto eu, pseudo, fingindo-me poeta,

Vaidoso de nem saber se a bola é redonda,

Recosto-me na paz dos ignorantes.

 

Ali ao lado e agora

E agora como dantes,

O Braga joga com o Vitória.

Dia de insigne memória.

Empataram.

 

Ao que parece.

A mim, nem me aquece nem me arrefece.

 

6 de Outubro de 2008

 

 

 

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publicado por Manuel Anastácio às 11:51
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Sexta-feira, 30 de Maio de 2008
Vénus reflectindo sobre o que lê

Vénus reflectindo sobre o que lê. Escultura em granito, data desconhecida, Paço de Ançariz, Escudeiros, Braga. Foto minha em Creative Commons

 

 

É terreno privado. Pedras privadas. Interesse público. O lugar é o Paço de Ançariz, Angariz ou Ancariz, em Escudeiros, Braga, e que terá sido pertença do arcebispo Dom Diogo de Sousa, que o terá trocado pelo Campo da Vinha – conta a anfitriã que pouco sabe contar daquilo que vi. Como passava por lá frequentemente, e tendo eu manifestado interesse em conhecer os jardins e as pedras, conhecimentos houve que me abriram o portão ao lado da capela. Das pedras que vi, e das quais me falta bibliografia e palavra ajuizada para as compreender, restou-me o encanto e a revolta. Encanto, porque não há Miguel Ângelo nem Brancusi que me enterneça mais que os rudes talhadores de  granito das terras lusitanas. Não há igreja românica ou gótica que passe indiferente à minha vista. Cada rosa, signo-saimão, entrelaçado, flor-de-lis, carantonha, ave, monstro, sereia, esfinge ou pormenor pornográfico que se insinue na pedra medieval é por mim admirado à exaustão. Sou daqueles chatos que se demoram nas visitas em museus a olhar os pormenores que quase ninguém quer ver. Infelizmente, grassa a praga, nos museus, de se proibirem as fotografias (mesmo sem flash). Por isso, não são poucas as vezes em que gostaria aqui de falar de alguns desses pormenores, e não falo, porque me falha a pena, faltando-me a janela.

 

Faz-me impressão a apropriação por privados daquilo que devia ser pertença de todos. Há em Campo Maior um menir que foi transformado em acessório de uma discoteca. Menos mau é o caso, que a reutilização da Arte não é mais que prolongar-lhe a vida. Pior é quando a arte cai nas mãos de quem a esconde aos olhos de quem a quer ver. Ainda mais quando essa arte é um testemunho histórico que a torna indubitavelmente pertença de todos, usufruída apenas por alguns. A minha conversa de esquerda enjoará a muitos, com certeza, numa época em que ninguém é de esquerda, incluindo os adversários do nosso socrático governo. Mas ninguém me tira da cabeça que há coisas que não podem ter dono, ou cuja posse deveria ser criteriosamente regulada por leis que permitissem o acesso de todos os cidadãos ao seu usufruto. Não proibiria simplesmente a posse desses tesouros da nossa história aos privados porque sei, simplesmente, que na mão das entidades públicas provavelmente ficariam em pior estado ou guardadas com o cadeado da arrogância institucional das nossas ipparescas vergonhas. A história da arte portuguesa há muito que se escoou por entre os dedos dos ladrões liberais anticlericais que despojaram os nossos mosteiros e, depois, entre as palmas apertadas de quem gosta de ter bibelôs de luxo, mesmo que os considere, apenas, pedras sem fala.

 

Ao ir-me embora daquele recinto, de que falarei mais vezes, em breve, vi ao cimo da dupla escada de granito, o corpo deitado dela. Julguei ser uma Senhora da Boa Morte, mas em boa hora me enganei. Não sei o que é. Faltam-me os pergaminhos e o olho clínico. Mas é figura pagã. Não sei o que tem entre as mãos, se é um frasco, se é o próprio coração. Por vezes, dá-me a sensação de que lê. Parece ser para um livro que o seu olhar seguia antes de o ter fechado (ao olhar), como quem reflecte. Pode não ser um livro. É provável que não seja. Para mim, é. Noto nos requintes do lavor de toda a parte superior da estátua, a testa alta, o cabelo voluptuosamente espalhado e… o sorriso. Digno de inveja por parte daquela outra que todos conhecem. Seria isto uma pedra tumular? Não compreendo a forma arcada e abatida do nicho. Não compreendo, sem sei se há quem compreenda. E vacilo entre a vontade de querer saber quem é aquela mulher (sim, estou a citar Buraka) e o desejo de ficar para sempre na ignorância. Mas a elas voltarei. À mulher. E à minha ignorância.

 

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publicado por Manuel Anastácio às 01:39
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Domingo, 14 de Janeiro de 2007
Aves e ovídios

Portal lateral do Mosteiro de Vilar de Frades (Areias de Vilar) - foto minha, em Creative Commons

Se há imagem que me intriga entre os granitos que vejo aqui pelo Norte, nos capitéis e nos portais de Igrejas são as figuras humanas ladeadas de um par de pássaros que lhes depenicam o corpo (mais especificamente a cabeça e a zona dos ouvidos). Este género de iconografia é comum já no Românico e manteve-se até tarde, sendo muito frequente no Gótico final (vulgo Manuelino). Semelhantes "aves devoradoras" (serão, de facto, devoradoras?) aparecem, sei-o eu, algures na Sé de Braga (não me lembro onde, mas sei que na altura fiz uma certa associação entre a escultura e Santo Ovídio de que falarei mais à frente) e em São Pedro de Rates. Sabemos que os religiosos portugueses sempre foram amigos de sincretismos religiosos - coisa bonita, não fosse a confusão que faz germinar entre as mentes dos fiéis analfabetos, que vão assimilando a coisa de forma poética e pouco teológica. Para meu gáudio (que gosto destas fantasias populares), indiferença de muitos dos religiosos institucionais (que julgam que Lázaro já se contenta com as migalhas que lhe caem da mesa farta) e para desespero dos missionários que se esforçam por ensinar a religião como ela é...

Camilo Castelo Branco, no já aqui citado "O Santo da Montanha" (a que voltarei mais tarde), descreve com alguma minúcia as festas do "Corpus Christi" em Braga, a 24 de Maio 1687. Se há pormenores que me escapam (e que também escapavam a Camilo) como a "serpe" que vinha atrás da Cruz da Confraria, a qual seria, tão somente "uma bicha festiva aos rapazes" (seja lá o que isto quer dizer), outros parecem-me pintados com todas as cores - pena que eu não tenha paciência nem tempo para fazer um OCR ao capítulo de que aqui falo. Muitas são as referências mitológicas que, já na altura, se utilizavam para explicar os mistérios da fé, para complicação das almas estupefactas que se alcandoravam das varandas do Campo da Vinha, como o autor deliciosamente descreve. Um dos números, o "Triunfo Eucarístico" constava da representação de um bailado-drama cujas personagens seriam Apolo e Latona - onde estas duas últimas personagens assumiam, respectivamente, o papel do Divino Sacramento e da Virgem a calcar a Serpente demoníaca. Ora, se tais identificações eram consideradas de grande piedade, tudo me faz crer que o mito de Prometeu, cujo fígado era repetidamente devorado por uma águia ou abutre, era aqui, também, tomado de forma simbólica. Os portais, seguindo a milenar tradição que remonta aos monumentos castrejos, não deveriam ser apenas a decoração de uma entrada, mas um objecto sacralizador da passagem do espaço público para o espaço interior e sagrado da Igreja - ainda que os mestres cantoneiros se dessem, por vezes, a liberdades obscenas que ou passavam despercebidas ou recebiam uma simples indulgência dada pelo desprezo (ou conivência) dos religiosos em relação assuntos de pedra talhada.

O tema das aves devoradoras pode relacionar-se facilmente com o sacramento da Eucaristia - o que pode explicar a forma cordata como o homem segura, aqui, os dois pássaros que dele se alimentam, assim como Cristo dá o seu corpo aos fiéis que desta forma comungam com o mundo espiritual de que as aves são símbolo. De facto, o tema das aves que debicam uma taça é igualmente frequente, neste caso, simbolizando o sangue de Cristo. Note-se que as aves têm um lugar privilegiado no espectro de animais presente nos bestiários medievais, inclusive em textos moralistas, como no "Livro das Aves" do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

Contudo, o meu fascínio por estas figuras tão presentes nos templos nortenhos liga-se à figura de Santo Ovídio, terceiro bispo da Sé de Braga, que se tornou santo protector das doenças de ouvidos pelo simples facto de ter um nome que soa a ouvidos... Não consta que tivesse feito, em vida, algum milagre entre os surdos. Documentos hagiográficos do século XVI descrevem-no como cidadão romano nascido na Sicília com o nome de "Auditus" e que foi enviado para Portugal pelo papa Clemente I no ano de 95. Terá sido martirizado em 135. Designado de "Ouvido" pelas gentes, que assim decidiram aportuguesar o seu nome em latim, foi novamente baptizado no século XVI e XVII como Ovídio, que seria um nome mais bonito que o de um simples apêndice da cabeça humana. A lápide sepulcral, que antes trazia gravado "† ossa b. Audit. Episcopi" foi, então, mudada para " † ossa s. Ovidii tertii bracarensis episcopi". Entretanto, os ex-votos em forma de orelhas de cera acumulam-se na Sé e, ao que parece, os surdos faziam fila para enfiarem as orelhas em dois furos que existiriam no túmulo episcopal.

Como as aves parecem, tantas vezes enfiar os bicos nas orelhas da figura humana que compõe o eixo de simetria destas composições, haverá aqui algo de propiciador para o milagre da cura da surdez? Talvez sim, provavelmente não. Fica apenas registado que me ocorreu.
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publicado por Manuel Anastácio às 22:44
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Sexta-feira, 1 de Setembro de 2006
São Longuinhos do Bom Jesus do Monte

São Longuinhos
, tema de um dos meus posts anteriores, continua a envergar a lança sagrada sobre a dispensável paisagem urbana de Braga. Em sua volta não vi ninguém a dar três voltas. Ao lado, o célebre canudo já não existe. Mas o Upa e o Cupa, os dois elevadores hidráulicos, já estão de novo a funcionar. Dizem os bracarenses que quando o Upa sobe, o Cupa "dece" - pelo que não é posível dizer ao certo qual é o Upa ou o Cupa, a não ser que alternem de nome.

Os canteiros em torno do cavaleiro, sob o sol de fim de Agosto enxameiam-se de cravos-xaropes (ou cravos-jaropes?), como são designados no Minho - cravos-espanhóis, como são chamados no Centro de Portugal; cravos-de-defunto, como são designados por outros sítios (como no México onde enfeitam os cemitérios no dia dos Fiéis Defuntos) e Tagetes erecta como são conhecidos no mundo inteiro.  São reputados como biopesticidas, dando cabo de nemátodos e algumas espécies de insectos, embora as suas folhas possam alimentar as larvas da traça Melanchra persicariae.

Tive, é claro, de descer no Cupa, para depois subir pela escadaria das virtudes acima. Perto da Caridade, lá o vi de novo, sobranceiro às capelinhas dos passos de onde exalava o típico  cheiro pestilencial da cera queimada e do mofo. Nunca percebi isso das velas queimadas. Muito mau gosto olfactivo têm os santos...
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publicado por Manuel Anastácio às 14:01
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