Contracapa e capa originais (não efectivas) do livro "Ser Diferente é bom", de Sónia Pessoa. Ilustração de Carla Carvalho, com evidente postura interpretativa ao utilizar a metáfora dos dentes-de-leão. Haja vento, ao menos.
A minha orquídea fez os desenhos de um livro infantil chamado "Ser diferente é bom", da autoria de Sónia Pessoa. A Sónia estava, um dia, a passear com o filho quando passaram junto deles dois homens de mãos dadas. O filho fez um comentário preconceituoso e a Sónia pensou: "foi assim que criei o meu filho, para ele ser intolerante para com as opções ou características próprias dos outros?". E foi assim que nasceu a ideia de escrever um conjunto de livros sobre a diferença e sobre a tolerância. Sobre a normalidade da diferença...
... a normalidade da diferença! - cruz credo, lagarto, lagarto, lagarto... O normal é sermos iguais, valha-nos Deus... (não sou eu a falar, são os conservadores retrogado-pensantes da nossa praça que vão tendo cada vez mais peso na blogosfera).
Este assunto é espinhoso. Primeiro, porque isto de falar de igualdade e de diferença é terreno movediço. Relativista. Relativo. E não há nada que mais assuste os retrogrado-pensantes que o relativismo. Mas vamos por partes.
Primeiro: não tenho nada contra os conservadores. Considero que os conservadores são pessoas que defendem o nosso património axiológico e que, geralmente, são pessoas de valor. São, geralmente, bons educadores e modelos que servirão de base para qualquer evolução da sociedade. Tenho entre os meus leitores, que muito respeito, muita gente conservadora e fiel à tradição cristã, seja ela católica ou não. Não considero esses conservadores como sendo parte dos retrogado-pensantes. Até porque os verdadeiros conservadores sabem bem que os valores não são em si um sistema absoluto. A Bíblia, por exemplo, mostra uma clara evolução já dentro do próprio Antigo Testamento, para dar um salto gigantesco e revolucionário ao passar para os Evangelhos e dando uma certa reviravolta acanhada no período entregue aos Apóstolos. Os valores não são absolutos. Se fossem, a Bíblia poderia ser utilizada para legitimar a pedofilia e o incesto, como se poderia depreender da leitura das suas páginas iniciais. Contudo, qualquer conservador sério, actualmente, sabe e admite que os valores mudam. Os valores que legitimaram o Index Prohibitorum e as fogueiras da Inquisição são actualmente repudiados pelos católicos sérios. Ser católico, hoje, não é, nem deve ser, ser retrógrado. E, acima de tudo, qualquer católico sério, sendo fiel às suas crenças, sabe o que significa ecumenismo. Respeito. Amor. Bondade. No fundo, resume-se tudo a isso: bondade. Nada há em qualquer moral que seja superior à bondade. É importante este ponto para que se compreenda o resto da minha argumentação.
Um certo Pedro Afonso, do blogue "O Inimputável" (nome bem escolhido, como se verá) escreveu algo de tão aberrante como isto:
"Chega às livrarias este Sábado um livro para crianças destinado a promover a homossexualidade neste escalão etário."
Ora: este senhor, Pedro Afonso de seu nome, não leu o livro. O livro não promove a homossexualidade, da mesma forma que a Cinderela não promove a heterossexualidade nem o Capuchinho Vermelho promove a bestialidade ou zoofilia. É ridículo. No livro há, apenas, a menção a uma menina que tem dois pais. É certo que o assunto é um pouco mais complexo, já que aquilo que estaria apenas subentendido no texto original fica demasiado exposto no prefácio de Gabriela Moita, prefácio esse que aparece logo na primeira página com um destaque abusivo num livro que pretende ser para crianças. Em vez de um prefácio ficaria muito melhor um posfácio. Apesar de ter as minhas dúvidas quanto à pertinência de uma coisa ou de outra num livro para crianças. Se há coisa que tenho a criticar neste livro é, para além de aspectos "tipográficos" desajustados que interferem com o trabalho da minha orquídea, a existência de um prefácio. O livro deveria existir por si mesmo, sem querer o aval de qualquer psicólogo, sociólogo ou outra treta (pseudo)científica alheia aos interesses de leitura das crianças. O simples facto de apresentar uma menina com dois pais deveria chegar para que o debate se instalasse entre os adultos, pretensão que a autora, legitimamente, tem ( e por isso, disse, e disse bem, que queria que o livro fosse polémico).
Apenas considero que um texto dirigido ao público infantil jamais deverá fazer qualquer tipo de concessões à auto-explicação. Um texto infantil genuíno traz sempre consigo o mesmo sopro de inconsistência e heterodoxia que se enocntra nos textos sagrados. Quando falo de textos infantis genuínos falo, exactamente, de O Capuchinho Vermelho, de A Cinderela, do Polegarzinho e do Gato das Botas, com toda a sua crueldade e amoralidade. Um texto infantil é, e deve ser, amoral. A moral deve ser transmitida por outros meios que não o da ficção - é transmitida pela família através do exemplo, e não através de qualquer tipo de catequese, ainda que a catequese seja relativamente importante no contexto puramente religioso. Não creio que a ficção sirva para formatar mentes. Sei que posso parecer entrar em contradição, mas, de facto, não estou aqui para defender este livro em particular mas para apontar a parvoíce dos seus detractores e, em especial, de um que tem o nome de Pedro Afonso.
A respeito destas afirmações de Sónia Pessoa à Lusa...
«Ensinar estes valores do amor, da verdade, da segurança ou da diferença, deve ser feito quando eles são crianças, pois é nessa altura que para eles ser branco, preto, amarelo ou vermelho não faz, na verdade, diferença nenhuma, desde que sejam amados como têm o direito de o ser».
... Pedro Afonso diz:
"Na verdade, esta última frase poderia ser usada também como um argumento para a defesa da pedofilia. Em última análise, isto significa que o relativismo absoluto e a ausência de valores permite qualquer tipo de comportamento."
O ridículo desta argumentação nem necessita, de facto, de qualquer contra-argumentação. Vou até repetir a frase da autora:
«Ensinar estes valores do amor, da verdade, da segurança ou da diferença, deve ser feito quando eles são crianças, pois é nessa altura que para eles ser branco, preto, amarelo ou vermelho não faz, na verdade, diferença nenhuma, desde que sejam amados como têm o direito de o ser».
Ó valha-me Deus! Onde é que entra aqui, ou pode entrar, a defesa da pedofilia??? O que é que se passa com esta gente, é anormal ou faz-se??? Por acaso, Jesus Cristo estava a ser pedófilo quando disse "deixai vir a mim as criancinhas"? Tenham dó.
Contudo, não têm dó. Hoje, se há coisa que, qual tumor maligno, se formou entre as palavras que são dadas a ler aos portugueses, é esta verborreia absurda e estúpida de pessoas que defendem o seu ponto de vista recorrendo ao ataque ao relativismo, como se as ovelhinhas do pensamento único (coisa que não existe - mas que toda a gente diz que existe - será isso o pensamento único?) fossem todas apóstolas um mau entendimento das teorias de Einstein.
Quando li aquela aberração discursiva disfarçada de moralismo, respondi assim, no blogue do senhor Pedro Afonso:
"Tenho passado a minha vida profissional a escutar histórias de pessoas que ficaram bastante marcadas psicologicamente (tornando-se indivíduos impreparados para a vida) por uma deficiente educação, e cujos pais (quando confrontados com isso) respondem repetidamente que tudo fizeram com “muito amor”. Portanto, o amor por si só não é suficiente, nem impede que se cometam falhas gravíssimas - muitas vezes até por ignorância - na educação dos filhos." [citação do próprio Pedro Afonso]
[ao que respondo]
- Exactamente! Está a defender de forma brilhante a autora. Eu também concordo consigo, nesta parte.
"As crianças precisam de amor, mas precisam de também que lhe sejam transmitidas regras, valores e princípios morais ou religiosos." [sic]
- E, claro, são os católicos retrógrados (que nem todos o são) que têm o direito de definir esses valores para toda a gente. Muito bem.
"Ainda assim, nem todos os destinos se revelam como os mais correctos e isso também tem que ser ensinado…às crianças."[sic]
- E, novamente, claro, é o senhor que define quais são os destinos correctos. Assim mesmo é que é: qual pensar pela própria cabeça qual quê. Temos o Pedro Afonso para pensar por nós!...
Temos, por exemplo, o Pedro Afonso a explicar-nos que uma frase de tão simples bondade como uma citada da autora defende o relativismo, logo, defende a pedofilia. Ora, por um lado, aquela frase não defende o relativismo. Defende a tolerância, o respeito e o amor. Se procurar nos discursos do Papa aposto que encontrará frases semelhantes. Mas...
... estou a cometer um erro. Estou a pensar por mim próprio. Peço desculpas, a sua Santidade Pedro Afonso que, como toda a gente sabe, é infalível em questões de moral (e de lógica formal, já agora). [fim do meu comentário no blogue "O Inimputável", para o qual não deixo link para o não beneficiar com mais um voto para o Google]
O Senhor Pedro Afonso, logo a seguir, apagou (censurou) o meu comentário e deixou as seguintes palavras:
Caro Manuel Anastácio
Verfico que não leu as regras dos comentários deste blogue. Será sempre bem-vindo para discutir ideias. O seu cometário foi evidentemente apagado. Para insultar não volte mais aqui.
O que gente desta espécie não entende é que os seus "valores" não são os únicos. E que a tolerância e o respeito em relação a comportamentos que não interferem com a liberdade dos outros (como acontece com qualquer tipo de sexualidade consentida entre adultos) é também um valor que em nada é relativo. É, antes, de um carácter tão absoluto que qualquer argumento a favor torna-se mera redundância. É um valor tão absoluto e axiomático que até dizer que 1+1=2 pode parecer mais questionável.
Claro que, ao apagar as minhas palavras, o senhor Pedro Afonso não permitiu que os leitores pudessem averiguar até que ponto estas eram insultuosas. Fica aqui, para defesa da minha honra. Graças a Deus, sei bem que pessoas da laia do Senhor Pedro Afonso são censores inatos e, por isso, guardei uma cópia do comentário.
Respondo, ainda, ao senhor Pedro Afonso que não penso, de facto, voltar ao seu cantinho, a não ser que Santo Google me volte a levar até lá.
Deixando agora esta abécula para trás, resta-me abordar outro ponto muito discutido a respeito desta obra: será que ser diferente é bom?
Não. Não é.
É por isso que é preciso dizer muitas vezes que é. Pode ser que pegue.
Lembro-me, a este respeito, de uma anedota:
Era um homenzinho que fora recrutado para o serviço militar. Contra a sua vontade. Desde o primeiro dia que começou a enojar os colegas, e depois os seus superiores, a ensalivar abundantemente papéis que ia pespegando às paredes e aos vidros, dizendo, "é para ver se cola". Este comportamento, persistente, repugnou de tal modo aos oficiais que decidiram dispensá-lo do serviço, alegando loucura. Quando chegou a notícia de que fora dispensado, o homenzinho virou-se para os outros magalas e disse: "olha!... colou!".
Eu sei que este meu artigo é coxo e encerra muitas contradições. Estou a tentar escrevê-lo há quatro dias entre pedaços esparsos de tempo e isso tem efeitos claros na unidade de uma argumentação que não chega a existir.
Basta-me dizer: "Ser Bom é diferente". Infelizmente, preferia que não fosse verdade: nisso todos devíamos ser iguais. Não somos. É por isso que livros como este são necessários, independentemente da posição que possamos ter sobre a adopção de crianças por "casais" homossexuais. That's not the point.