Domingo, 6 de Janeiro de 2008
Circulares obrigações

Aspecto da nave transversal da Igreja de São Gião, Nazaré. 26 de Dezembro de 2007. Foto minha em Creative Commons atribuição 3.0 Unported

Não mando mensagens de Natal nem de Ano Novo a ninguém. Também não sou muito de dar os parabéns a aniversariantes. Tenho alergia a manifestações cíclicas de bondade postal ou electrónica, como se fôssemos um farol obrigado a emitir um sinal periódico. A única circularidade do tempo a que reajo com veneração é à sucessão das estações do ano. Sucessão cíclica essa que se deve apenas ao simples acaso de vivermos numa bola que gravita em torno de um luzeiro. Vivêssemos nós nas costas de uma tartaruga que nadasse num infinito oceano sob um eterno fundo cósmico de luz, e o calendário seria uma linha sempre em frente. Mas não. Devido a um mero capricho das leis físicas nascidas da nossa origem material, até a vida do nosso espírito se tem de submeter aos mesmos processos de repetição. É assim que a religião faz nascer deuses-meninos que leva, poucos meses decorridos, ao madeiro sacrificial. É essa a essência do Ritual e da vivência das Mitologias que dão sentido ao mistério de estarmos provisoriamente vivos. É por isso que não fico indiferente aos natáis e às páscoas, às passas e à louça velha atirada pela janela. As doze badaladas que ninguém ouve, ofuscadas que são pelo estalar dos foguetes, remetem-me para a inevitável condição de habitante de uma bola presa ao cordel elástico e latejante da gravidade. Mas não sinto que o meu desejo de felicidade se deva cingir ao calendário. Muito cómodo, dirá alguém com um sorriso irónico nos lábios. Talvez seja. Preguiça. Seja, deixem-me ser preguiçoso nestas alturas, para que possa responder com palavras e actos sinceros a outras solicitações que não estejam gravadas em repetição eterna na Google Agenda.
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publicado por Manuel Anastácio às 13:47
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De Gerana a 7 de Janeiro de 2008 às 00:24
Como sempre um texto cuja leitura é pura satisfação. É mesmo uma bobagem medir o tempo com tais datas, melhor mirar as estações. Mas, veja, há quem não as possua. Eu vivo em pleno verão o ano inteiro; como fechar as pontas para formar o círculo?
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