Sexta-feira, 29 de Junho de 2007
Blogues - Intergalacticrobot

Vela, de Nam June Paik - foto de Joequbik

Vou ser sincero. Quando tirei a minha licenciatura em Santarém, enfadava-me o vazio que existia na cabeça de grande parte dos meus colegas. Hoje em dia, mais maduro (como diria o miúdo da publicidade ao ecoponto), vou apreciando mais outras manifestações de inteligência que não as puramente intelectuais. Tinha uma colega de turma que adorava ter-me nos seus grupos de trabalho apenas para me cortar a palavra e ridicularizar cada uma das ideias que tinha. Graças a Deus, tive os tomates para dizer ao grupinho: Bye, Bye... E foi assim que me comecei a relacionar com pessoas dignas desse nome. Quando comecei a participar nos raros projectos académicos daquela terrinha ainda estremunhada na noite medieval da apatia, uma das poucas pessoas que admirava sinceramente pelo fervilhar de ideias e interesses era o Artur. Não foi o único (e não vou fazer listas, porque não é elegante), não era do meu curso, mas as algumas conversas de café que tivémos,  as vezes em que nos reunimos na casa onde estavam a Sandra Almeida e a Maria José Bispo  para fazer noitadas a estudar ou as algumas (poucas) vezes em que  fomos em grupo ao Cinema ou ao teatro (coisa muito rara naquelas bandas) demonstravam que estava frente a alguém que lia, que se interessava, que queria aprender e ensinar, que não se limitava a ver o marasmo de uma lezíria bovina sobre umas portas altaneiras onde o sol parecia demorar a bater e onde os mouros surpreendidos por Afonso Henriques ainda pareciam ressonar na lassidão de uma capital do Gótico só mesmo na brincadeira.  Depois, novamente por via da Sandra Almeida (que já não actualiza o blog há muito, muito tempo...), descobri o Artur de novo, agora em formato electrónico. O IntergalacticRobot é um prodígio de fertilidade de ideias, imagens, experiências, de desinquietação, de leituras cruzadas, explicadas, elevadas ao cubo da clarividência. O Artur parece ter na mão uma cornucópia de onde saem notícias, denúncias, galáxias, monstros, música... E no meio disto tudo só me arrependo de não ter conversado mais com o Artur quando o conheci e quando foi meu conterrâneo. Enquanto eu lia Walter Scott e os neo-realistas, o Artur já prescrutava as palpitações sanguinolentas do surrealismo electrónico de um mundo esventrado antes de nascer. Era eu Almeida Garrett ao modo de João Mínimo e já o Artur sentia o mundo à maneira inquieta, gótica, romântica e visceral dos Cantos de Maldoror. Hoje, estando as tripas electrónicas do mundo definitivamente de fora e sem esperanças de que cicatrizem a não ser com o extermínio completo desta civilização, encontro no blog do Artur centelhas de vontade relacionadas com a profissão que com ele compartilho. Vejo nas suas palavras uma alegria em estar com os alunos e em com eles construir um pouco mais de mundo que me serve de exemplo, frente à minha crescente desilusão. Cada projecto por ele delineado e dado à luz parece ser um raio de esperança. Basta acreditar que as crianças podem não ser como desejaríamos, porque são humanas, mas podem ser melhores, muito melhores do que o azedume profissional em nós, delas vai destilando. Para se ser professor é preciso ter fé. Para ter fé, precisamos de constante leitura e meditação  sobre os textos sagrados, caso contrário, desligamos a ficha que nos liga à esperança. O Artur é, quanto a isso, um profeta. Pode até não notar, mas até os seus ornitorrincos são imagens proféticas da hibridização necessária à sobrevivência do sonho entre os fogos fátuos que apenas iluminam a podridão. Há que abrir janelas. Inspirar. Seguir em frente. Em direcção às estrelas... ou mais além...
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publicado por Manuel Anastácio às 22:15
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