Sábado, 24 de Fevereiro de 2007
Quem controla a Wikipédia - Parte V


Eugenia buxifolia - foto de B.navez que, graças à Wikipédia, é de todos nós, porque está em Creative Commons. Porque "a Myrtaceae by day, keeps the sanity away", como cantaria a Marlene para o Gary, em Marrocos. Não - esses ainda não estão em Domínio Público.

Uma das críticas mais frequentes à Wikipédia prende-se ao facto de ela ser escrita pelas mãos e, pior ainda, pelas mentes não iluminadas de amadores - exceptuamos, obviamente, o caso dos vândalos que, em termos gerais, só vandalizam a Wikipédia porque querem demonstrar que ela não é fiável (é como se eu me tornasse assassino para provar que a humanidade não tem emenda), isto é, vandalizam por uma boa razão. Foi assim que recebi um mail de um senhor chamado xxxxx[nome removido a pedido desse senhor] que me remetia para um artigo de Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa. Pena é que eu não possa estabelecer um diálogo com este senhor, como estabeleci com o Orlando Braga (cujo site desapareceu desde o meu último post, de forma muito estranha e suspeita) ou mesmo com o Janer Cristaldo, que até parecia disposto a dialogar comigo mas que deixou de me responder assim que saiu o número da "Nature" que comparava a Wikipédia à Britânica (não que esse estudo venha comprovar nada do que eu defendo - até porque eu não defendo a fiabilidade da Wikipédia). Pedi o contacto do autor do "Referência Fast Food", mas ninguém me respondeu da sua meritória revista. Os detractores da Wikipédia têm uma fobia aguda a conversas e argumentações - é por isso mesmo que nunca poderão contribuir para um meio de (des)informação tão estimulante como a Wikipédia. Entenda-se que escrevo (des)informação sem qualquer sentido pejorativo. A Wikipédia exige uma participação activa do leitor. Se é daquelas pessoas que nunca carregará no "editar" de um artigo da Wikipédia, o meu conselho é, simplesmente: não vá lá, que não aprenderá nada. A Wikipédia só informa verdadeiramente quem com ela interage. Quem duvida, quem procura, quem reescreve, quem discute. É claro que há sempre aqueles que vão apenas à procura de disparates ou que tentam descobrir os podres da poderosa máfia que controla a Wikipédia e pretende enganar o povo... Ora, o povo só é enganado pela Wikipédia se for muito parvo - e se usa o copy-paste em vez de usar o cérebro. A Wikipédia é a Enciclopédia escrita pelo povo, apagada pelo povo, desfigurada pelo povo e reconstruída pelo povo. Eu compreendo, é revolucionário de mais, não é?... Os partidários da Reacção preferem, mesmo, um mundo onde o Mestre e o Doutor vão deixando cair migalhas aos famintos que se rojam passivamente a seus pés. 

Ora, o artigo do senhor Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa é muito interessante e está cheio de legítimas preocupações a que eu, como professor, não me posso furtar. Se um aluno meu me trouxer um "trabalho" que é uma cópia da Wikipédia, receberá um raspanete. Se me disser, contudo, que fez uma alteração num artigo - e a alteração for positiva, terei, pelo menos, muita fé nesse aluno. Mas se esse aluno me trouxer uma cópia de um outro texto qualquer, de um livro escrito por académicos consagrados, o raspanete será na mesma medida. E o exemplo que vou dar nasceu exactamente da leitura do artigo do senhor Coelho da Costa que refere, a dado passo, o verbete "Arianos". Interessante referir que essa versão, anterior à minha, tinha tido participação de um dos raros "Doutores" participantes na Wikipédia: o senhor Carlos A. P. Campani (é certo que Doutor em Ciências da Computação e não em Antropologia, mas, ainda assim, um Doutor - claro que, agora, com o Tratado de Bolonha, o que não vão faltar são Doutores, pelo menos em Portugal). Decidi, então, eu, leigo, fazer o que o senhor Coelho da Costa não fez (porque se ele escreve alguma coisa é para ser pago... ia lá agora trabalhar para aquecer...) e comecei a melhorar o artigo. E a aprender coisas. A dada altura desisti de melhorar e tive de reescrever tudo. A falta de referências bibliográficas do artigo anterior à minha intervenção não permitia reutilizar informação alguma. Para começar, consultei as obras de referência (poucochinhas, que o ordenado de professor não dá para bibliotecas) que tenho em casa. E dou de caras com o verbete "Arianos" da Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, da Editorial Verbo, Edição Século XXI (isso do século XXI é treta, asseguro-vos). Se o artigo da Wikipédia era mau (que era), este aqui... não, não era mau. Estava bem escrito e até não estaria mau se a Enciclopédia se chamasse Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Edição Século XIX. Afinal, é só mudar um I na numeração romana. Para os editores desta Enciclopédia nem sequer se pôs a hipótese de esclarecer os leitores de que aqueles dados "científicos" pertencem ao tempo da Maria Cachucha e que o autor, José Domingues Lampreia, foi um antropólogo da "Junta de Investigações do Ultramar". Isto só para contextualizar, que não sei se a Junta tinha alguma ligação ou não com o Ministério da Propaganda.

Pois bem, o artigo que passo a transcrever serviu muito bem, como fonte bibliográfica, para o primeiro esboço do artigo que tenho em mãos (a versão do artigo "Arianos" ao momento em que escrevo este post não é uma versão definitiva, mas um ponto de partida), principalmente para uma das secções.
Peço desculpa se violo - aqui, não na Wikipédia - algum direito de autor, mas creio que, neste caso, o interesse público sobrepõe-se ao interesse dos particulares.

Arianos - ANTR. Do sânscrito arianam. Povos de raça branca que se supõe originários do Sul da Ásia, mais determinadamente da região de Hindu-Kusch, no Pamir, e consignados no Genesis como descendentes de Jafet. Essencialmente braquicéfalos, eram dotados de estatura elevada. Tradicionalmente atribui-se a Chemsid a divisão dos A. em quatro grupos ou castas: Catures ou sacerdotes, Asgares ou guerreiros, Sebaisas ou agricultores e Anuqueques ou artífices. Primitivamente pastores, aprenderam mais tarde a agricultura com os povos do Ocidente, com os quais se cruzaram, devido às contínuas migrações que durante séculos realizaram, tendo-se difundido por toda a Europa. Conservaram uma identidade de origem demonstrada por alguns ritos e tradições comuns, ainda existentes, e uma unidade linguística, supondo-se o sânscrito como um aperfeiçoamento da originária língua ariana. Nos tempos védicos desconheciam a escrita, mas mais tarde conheceram e aperfeiçoaram os caracteres cuneiformes. Atribui-se-lhes também a invenção do tijolo. Agrupavam-se em grandes famílias ou clãs, chefiadas pelo pater familia. Praticavam a cremação dos cadáveres, encerrando depois as cinzas em vasos de barro. Divinizavam a vaca, a que rendiam culto.

Serviu bem como fonte bibliográfica. Mas leiam o artigo actual da Wikipédia. Daqui a uma semana, voltem à Wikipédia e leiam o mesmo artigo. Depois, voltem a ler este. Talvez se faça luz, então, sobre quem controla a Wikipédia.



Para ler o artigo actual da Wikipédia basta carregar neste link (não confundir com o link para a versão que existia na altura em que escrevi este post, e que apresento no texto - de facto, desde essa altura para cá, já houve alterações no artigo, pelo que se quiserem participar no mesmo - corrigindo erros ortográficos, por exemplo - devem procurar a versão mais recente: esta).

Artigos da mesma série:
publicado por Manuel Anastácio às 17:38
link do post | Adicionar aos favoritos
De Manuel Anastácio a 26 de Fevereiro de 2007 às 17:06
Caro JLCA: o seu comentário é totalmente despropositado e, além do mais, falta à verdade. Tenho todo o respeito pelos especialistas. Quando me quero informar correctamente, é a eles que recorro em primeiro lugar. Acontece que alguns fanáticos anti-Wikipédia não ouvem os meus argumentos que em nada opõem a Wikipédia aos académicos conceituados. Antes pelo contrário - a Wikipédia é um excelente local de formação dos futuros especialistas. Especialistas capazes de dialogarem e respeitarem as opiniões alheias e de lerem o que os outros escrevem antes de os criticar. O JLCA está apenas furioso com a Wikipédia por razões que aqui não cabem e às quais sou totalmente alheio.

Ainda não li esse artigo, mas, ainda antes de o ler, devo dizer que o fanatismo existe, de facto, entre alguns Wikipedistas. Mas creio que não me pode acusar disso, caro amigo, a não ser que, como já o disse, não tenha lido nada do que escrevi, ou tenha lido na diagonal.

Fique bem.
De Anónimo a 3 de Setembro de 2007 às 18:39
"Tenho todo o respeito pelos especialistas. Quando me quero informar correctamente, é a eles que recorro em primeiro lugar." Isso é muito certo e bonito, mas será que funciona na wikipédia realmente? Será que todos pensam assim? Estou observando!
De Manuel Anastácio a 7 de Setembro de 2007 às 17:07
A Wikipédia funciona sendo aquilo que é. O seu comentário demonstra que não entendeu aquilo que tenho dito sobre o projecto. A Wikipédia serve para discutir e trocar ideias com pessoas que pensam de forma diferente de nós. Eventualmente, levando-nos a acessos de raiva... mas há quem se enraiveça mais e quem se enraiveça menos. Eu aconselho menos raiva.

Podia desenvolver o assunto e responder melhor ao comentário acima. Mas não gosto de comentários anónimos. O anonimato na Wikipédia é uma coisa. Aqui é outra. Lá, é normal. Aqui, é cobardia.
Comentar:
De
  (moderado)
Nome

Url

Email

Guardar Dados?

Este Blog tem comentários moderados

(moderado)
Ainda não tem um Blog no SAPO? Crie já um. É grátis.

Comentário

Máximo de 4300 caracteres



Copiar caracteres

 



O dono deste Blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.