Quinta-feira, 4 de Janeiro de 2007
Blasfémia
Vilarinho das Furnas
Sou tão letras!
Quem me dera ser figuras.
Números.
Estruturas.
Mas não.
Sou letras.
Uma após outra.
Dígitos que me substituem a alma.
Nem sequer sou caligrafia.
Bem o gostaria.
Não.
Sou letras.
Na melhor das hipóteses,
Sou uma frase.
Burilada, dizem...
Alguém sabe o que é um buril? Eu não.
Mas sei que os homens do Paleolítico já os faziam.
Ou seria do Neolítico?
Não sei.
Só sei que sou letras.
Penso em letras.
À procura de uma frase.
Até posso pensar que já a encontrei.
Mas as frases atraiçoam.
Cospem-nos na cara.
Mais ainda quando pensamos que existe entoação.
Mas não.
Não há nada.
Nem Verbo.
Sou letras.
Eu,
Aquele
Que é Quem É.
Uma Blasfémia.
É muito difícil deixar um comentário a este excelente bocadinho de lírica (esta é a segunda tentativa). Mas, mesmo assim, arrisco: eu, que também sou letras, que também não sei o que é isso do buril, que também sou traído pela intriga das frases, que também não chego a ser verbo, te digo que sonho em ser números. Os números não precisam de entoação nem se rendem ao desenho caligráfico. Os números são leais e são do concreto. Não guardam heresias, não escondem blasfémias: existem apenas.
E que posso eu dizer deste comentário? Obrigado por estas palavras. Os números ainda não servem para determinadas coisas...
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