Domingo, 17 de Dezembro de 2006
São Rosas, senhor... São Rosas... Ah... E uma orquídea.

Claustro de D. Afonso V, Mosteiro de Santa Maria da Vitória, Batalha (foto minha, em GFDL)

A criação dos blogues permitiu que todos os que tivessem acesso a este grande luxo que é a Internet pudessem, finalmente, serem editores de si mesmos. Todos podem escrever e saber que são lidos por desconhecidos. A palavra escrita, ao contrário da palavra dita (pelo menos antes do advento das gravações de voz) pode ecoar entre desconhecidos cujos caminhos caminhos nunca se cruzarão com o nosso. Sabemos que escrevemos para um leitor ideal ou provável, mas o leitor efectivo, esse, é sempre uma incógnita que, provavelmente nunca conheceremos. Mas é aí que reside toda a vaidade de quem escreve, bem ou mal. E é à vaidade que quero chegar - quem quer que escreva (ou pinte, ou componha, ou projecte...), fá-lo movido única e exclusivamente pela vaidade. Que outra motivação teríamos para gravar, para além de nós, os nossos pensamentos se não nos envaidecêssemos deles? Teremos razão para nos envaidecermos deles? Na maior parte dos casos, não. Se quiséssemos proceder a um auto-de-fé semelhante àquele que um licenciado, um cura e um barbeiro procederam na biblioteca de Dom Quixote, movidos apenas pelos critérios pessoais de um pequeno grupo, poucos seriam os livros a salvarem-se. E digo poucos, mesmo que esses poucos fossem alguns milhões. A verdade é que aqueles que escrevem dividem-se entre os que amam os livros, quaisquer que eles sejam (incluindo os livros que abominamos - é esta uma espécie diferente de amor), e aqueles que com um livro ou meia dúzia deles pretendem destruir os que vieram e os que queiram vir. Os imperadores chineses (incluindo o do livrinho vermelho) tinham essa mania de querer recomeçar a História com os livros da sua própria escolha. Outros houve, e continuam a existir, que mantêm essa fúria assassina contra a mais bela das vaidades humanas. Contudo, se há livros que todos os dias morrem, comidos por insectos em arquivos bolorentos ou desfazendo-se em cinza, a escrita etérea da internet multiplica-se, entranha-se, espalha-se, contamina as mentes com grandes verdades e grandes ideias salpicadas por doses astronómicas de boatos, mentiras e sentimentos mesquinhos. Tudo como dantes, mas com outra velocidade, outra magnitude e com outra generosidade. No meio de tantas palavras, ainda assim, persistimos em escrever com a esperança de que alguém nos leia - mesmo que seja para criticar, rectificar, ensinar... Mas, é claro, o que mais desejamos é sempre uma palavra de apoio, um elogio, um afago à nossa vaidade. E isso é bom. A vontade de ser-se amado é o primeiro motivo para amarmos.

Quando comecei a coleccionar links para outros blogues que visito regularmente, pensando em como organizá-los, preferi dispô-los por graus de afinidade. Não uma afinidade objectiva, mas puramente pessoal. Se compararmos os blogues de cada grupo veremos uma grande heterogeneidade de formas e temas reunida no mesmo ramalhete floral, excepto no caso da orquídea, porque há cavidades do coração apenas com lugar para uma flor. Mas no cesto das rosas, cabe sempre mais uma. E é com prazer que as vou adicionando, de forma caótica: as amarelas, as vermelhas, as brancas, sem preocupações de monocromatismo.

Dos tempos em que não tinha blogue, ou em que estes, que eu saiba, não existiam, tenho apenas dois pés de rosa: da Sandra e do Artur. A Sandra é uma amiga com quem compartilho o gosto pela poesia, pelo cinema, pelo teatro e com quem tive o prazer de ver os Irmãos Catita ao vivo (numa noite que terminou no posto da Guarda de Santa Apolónia) ou de saborear uns belíssimos pezinhos de coentrada n' "A Maria", no Alandroal, acompanhados de um Borba, rótulo de cortiça, memorável.
O Artur, dono do admirável Intergalacticrobot, designer gráfico vanguardista de uma revista académica de número único, onde participei (A "Ti' Merenciana") cultivava, então, o estilo blasé e despreocupado. Sempre cheio de ideias e projectos, gostava de Kieslowski, de Cronenberg e sabia deplorar, de forma discreta, inteligente e irónica, o deserto acéfalo que rodeava a então designada Geração Rasca. Foi graças à Sandra que o descobri na Blogosfera, para meu grande proveito e ilustração.

Depois, já por aqui, comecei a ter a lata de nomear amigos à força. E eles, coitados, pressionados pela minha presença sufocante, lá me vão aceitando a amizade dita virtual, mas que, por mim, reputo como bem real. Sinto-lhes a presença, por vezes, na caixa dos comentários e, por vezes, na caixa de correio-electrónico (que, por acaso, terei de mudar, já que não consigo aceder à conta que mantinha - tenham, pois, atenção ao vosso mail, já que lhes enviarei o novo endereço que vou passar a usar). Destes amigos, o primeiro foi o José Eduardo Lopes, de "A Estrada de Santiago", com quem não troco mais comentários à sua arte de fundir e quebrar palavras em cristais porque o seu sistema de comentários não me aceita nem pintado. Outro dos primeiros amigos foi o superlativo Paulo Brabo, da Bacia das Almas e que, do outro lado do Oceano, rapidamente me abriu as portas acolhedoras e fascinantes do seu Monastério, após pouco mais de meia dúzia de palavras sobre as Índias Ocidentais. À conta dele conheci o Jo Lorib, verdadeiro construtor de pontes sobre o Atlântico, com quem partilho a Wikimania e que, por sua vez, me apresentou ao José Cunha-Oliveira, dono de uma brilhante colecção de apontamentos sobre Toponímia Galego-Portuguesa e Brasileira que, inscrevendo-me na sua Frota Honorária, por sua vez, me deu a conhecer nova rota em direcção ao D'Noronha, senhor da sua arte e que comigo partilha a paixão pelas árvores.

Foram, exactamente, as árvores e outras plantas mais rasteiras a servirem de guardiãs de um labirinto, circular como o tempo e as estações, que passa pelos apontamentos e imagens do Filipe-um-amador-da-natureza e, depois, pela serenidade rural filtrada pela lucidez e bom gosto de uma inimitável Ana Ramon, autora de alguns simpáticos  e belíssimos "mails", repletos de pérolas, que a autora, contudo, prefere não ver divulgadas por mãos alheias. Outras agrestes vias, ramificam, do mesmo modo, pelo que designei de miosótis: aqueles que ainda tenho pudor de colocar entre as rosas.O Digitalis Kitsch Blog, em cujos arquivos encontramos bastantes razões para aí deambular, em vários registos, floresceu também por aqui, disseminado já não sei por que benfazejo agente transportador de sementes.

Finalmente, o Paulo Hasse Paixão, que inscrevi na minha lista de gladíolos assim que comecei a ler os seus comentários à sua selecção de 7 pérolas da Colecção do Dr. Rau, e que me deu a conhecer as "69 Love Songs" de Stephin Merritt (que há algum tempo estão a reclamar algumas palavras minhas por aqui), e de quem já aqui comentei a audácia em propor uma existência heteronímica para Sócrates (o verdadeiro... mesmo que o não tivesse sido, de facto), teve a impudicícia de escrever este post que, só pelo título, vale como uma coroa de louros.

É bom ter amigos. É bom ter rosas com que encher o cesto vazio da vida. A blogosfera é apenas mais um canteiro. Obrigado, pois, por se deixarem, assim, colher...
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publicado por Manuel Anastácio às 21:26
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22 comentários:
De Maria Helena a 18 de Dezembro de 2006 às 20:32
Não descubro outro modo de lhe desejar um fim de Advento confortante...:-))

Os Reis Magos adiataram-se na entrega dos vasos e deixaram uma poesia de Leopoldo María Panero para si :-))

Bem haja, Manuel Anastácio.

INFIERNO Y PARAÍSO

«allá estará también la castañera
de ocho pares,
y el humo de los céntimos, y el vaho en los bolsillos»

Leopoldo Panero "Escrito a cada instante"

Pero no sólo los mendigos, padre, van al paraíso
van también aquellos que aun más asco dan
también estos mendigos del ser que acezan
a la puerta del manicomio
esas caricaturas humanas, tal como esta
que Alicia se piensa en el
jardín no
humano de las flores
y quisiera destruir el universo
porque si hay algún monstruo, éste es la desgracia
y la única injusticia que existe es la injusticia evidente
y si hay alguna moral, ésta es la moral del desastre.

"Guarida de un animal"

De Manuel Anastácio a 18 de Dezembro de 2006 às 22:49
Obrigado pelo presente e por esta maravilha entre o céu e a terra, entre o espiritual e a lama, entre a fé infantil e os escrúpulos que assaltam almas do tamanho de um dedal, como a de Santa Teresa de Lisieux - que talvez também tenha lido outros poemas, nesta mesma língua de Panero e de Teresa de Ávila. Bem haja, Maria Helena. Que este Advento prenuncie nos gestos e nos olhares daqueles com quem se cruza o calor que só a poesia jamais escrita irradia. Obrigado.
De Artur a 18 de Dezembro de 2006 às 21:18
Ai que me vieram à mente memórias de noites gélidas suportadas pelo companheirismo da boa (e rara) conversa temperada por um bom vinho. E para referência, continuo a cultivar o estilo despreocupado. As preocupações apenas conduzem ao acumular de rugas e doenças cardíacas.
De Manuel Anastácio a 18 de Dezembro de 2006 às 22:51
Pena que na altura não houvesse dinheiro para um Borba rótulo de cortiça... E pelo caminho que isto vai... ;) Deixa lá: quando quiseres vir a Guimarães, a conversa cá te espera. E uma garrafa nascida dos labores de Baco, também. Abraço grande e boas reuniões.
De Ana Ramon a 18 de Dezembro de 2006 às 23:53
Disseste que ias divulgar o teu novo endereço de e-mail. Preciso dele
Obrigada pela amizade
Beijinho
De Manuel Anastácio a 20 de Dezembro de 2006 às 21:47
Mando já! Estive muito ocupado nos últimos dias e não tive tempo para os amigos... Beijinho.
De Paulo Brabo a 19 de Dezembro de 2006 às 21:58
Menção honrosa!!! Bom fim de ano e começo de outro, amigão.
De Manuel Anastácio a 20 de Dezembro de 2006 às 21:51
Honrado fico eu com a tua presença por aqui. Abraço grande e um ano novo de grande prosperidade monástica! ;)
De Jo Lorib a 20 de Dezembro de 2006 às 03:57
Olá meu velho amigo de pouco tempo, obrigado pela menção. E Boas Festas para você e todos dai. Abraços desde São Paulo
De Manuel Anastácio a 20 de Dezembro de 2006 às 21:53
Boas festas para ti também. Talvez venhas cá um dia destes comer filhós e outras coisas que fazem mal, para os lados de Mação. Abraço grande.
De Paulo Hasse Paixão a 20 de Dezembro de 2006 às 19:40
Os amigos deste blog é que têm que agradecer ao autor pelos excelentes momentos online que nos proporciona. Da Condição Humana foi a minha descoberta do ano. E o que é que vamos descobrir em 2007?

Um abraço.

php
De Manuel Anastácio a 20 de Dezembro de 2006 às 22:07
Não costumo dividir a vida por anos, mas fico realmente lisonjeado com toda as atenções que tenho tido da tua parte. Já estou a ficar zonzo... Abraço grande, com a certeza de que o próximo ano trará descobertas de espaços com vistas mais amplas e claras - algo a lembrar os teus "cenários do Mundo Oposto" - que este meu recanto bucólico.
De José Eduardo Lopes a 20 de Dezembro de 2006 às 20:12
Caro Manuel Anastácio:
Obrigado pela referência. É um privilégio ter este blogue para visitar, pelas palavras que nele escreve e pela sua envergadura artística e cultural. Também tenho pena que o nosso diálogo não seja mais assíduo, pelas razões por si mencionadas, mas lá arranjaremos maneira de manter o contacto. Votos de um Bom Natal e de um 2007 cinco estrelas.
Um abraço
José Lopes

(P.S.: Envie o seu novo mail, ou edite-o no Blogue)
De Manuel Anastácio a 20 de Dezembro de 2006 às 22:15
Desejo-te um novo ano tão prolífico como têm sido estes últimos tempos no teu blogue e um Natal tão terno quanto aquela que se desprende de alguns dos teus contos (mesmo dos mais irónicos e negros). Abraço grande.
De Manuela a 21 de Dezembro de 2006 às 09:00
Forget me not... (or forgert us not)
...
quanto à vaidade permita-me discordar: essa não é a razão principal por que escrevo. de todo. mas isso fica para tentar explicar melhor depois. agora só queria deixar aqui a minha "voz"
abraço
De Manuela a 21 de Dezembro de 2006 às 09:52
Caro MA - Queria só corrigir a impressão, se por acaso ficou com ela, de me querer estar a impor ; - )

Deixei-me levar pelas palavras (e o coração ajudou)
Aproveito também para desejar Boas Festas.
De Manuel Anastácio a 23 de Dezembro de 2006 às 00:04
Cara Manuela. Obrigado pela sua voz, que muito eco tem tido em mim. Obrigado pelas palavras, e obrigado também por discordar abertamente. Respondo a estas objecções num post mais acima. Boas festas também para si e para todas as árvores a quem dá voz.
De Zèd a 21 de Dezembro de 2006 às 09:08
Caro Manuel Anastácio,
Gladíolos já me parecia deveras enigmático, agora Miosótis ainda mais. Mas a maior surpresa foi a mudança de uma para a outra :-)
A que se deve essa mudança taxonómica?
De Manuel Anastácio a 22 de Dezembro de 2006 às 23:59
Calma... Em breve responderei... ;)
De maria a 21 de Dezembro de 2006 às 17:53
Já tinha reparado na sua organização dos blogues e intriga-me saber porque estou nos gladíolos. Gosto de árvores e plantas embora saiba pouco sobre elas. E foi por aí que vim aqui parar.
Quanto à vaidade, como motivo de escrita, não será uma verdade universal. Comecei por escrever livremente para mim, por necessidade de aclarar as ideias e agora que sei que sou lida, embora por gente desconhecida, esse facto retira-me alguma espontaneidade.
Mas gosto imenso de passar por aqui e por outros lados, é uma aventura impensável quando eu andava na escola.
De Manuel Anastácio a 22 de Dezembro de 2006 às 23:57
É verdade. A blogosfera é a abertura para a total partilha de conhecimentos, mas sob uma perspectiva pessoal. Se sentes cerceada a tua espontaneidade, então, não estás a aproveitar na totalidade o que te é oferecido por este novo contexto de comunicação. O meu conselho é que voltes a escrever para ti, mesmo quando pensas nos outros - aliás, é isso que pretendo dizer no meu último post, onde exponho mais detalhadamente o meu elogio à vaidade.

Dizer de sua justiça