Imagem de capa de "O Seringador" (Lello Editores)
Quando era pequeno, o meu pai comprava, invariavelmente, no final de cada ano, um almanaque, com dicas para agricultores à moda antiga, que se apresentava como "Reportório Crítico-Jocoso e Prognóstico", de seu nome "O Seringador". Já na altura a distribuição editorial tinha o seu quê de idiota, já que as dicas de sementeira eram claramente adequadas às condições climáticas do Norte de Portugal e não do Centro-Sul, onde morava. Mas era bonito descobrir que, quando as previsões meteorológicas do Instituto de Meteorologia e Geofísica falhavam, o mesmo já não acontecia com as do Seringador que de modo atempado sempre alertava contra as secas e as inundações (com uma margem de erro de cerca de uma semana, mais coisa menos coisa, é certo, mas ainda assim bastante aceitável, tendo em conta que as contas empíricas eram apenas feitas pelo empírico conhecimento dos efeitos dos quartos da Lua e outras influências astrológicas). Na primeira página, cinco estrofes de um estilo popular e pouco musical dava entrada às três dezenas de páginas com um cheiro característico e rugoso que ao longo do ano mais áspero se ia tornando ao absorver o cheiro da adega e despensa: a sementes, a batatas, a maçãs de inverno.
Estive eu a falar desta relíquia ainda há dias e, pouco depois, surpresa das surpresas, encontrei-a à venda num quiosque da Estação de São Bento (que ainda há dias comprei por uns bons dois contos na versão velha do Monopoly). Tinha levado para a viajem a biografia de D. Pedro IV, de Eugénio dos Santos mas roubei alguns minutos para ler as anedotas e ditos preconceituosos que enxameiam as páginas (com um forte cheiro a populismo carunchoso), mas, essencialmente, para ler os prognósticos e conselhos de cada semana, rematados sempre com adágios finamente urdidos pela sabedoria popular:
Seda em Janeiro, fantasia ou pouco dinheiro.Bons dias em Janeiro vêm a pagar em FevereiroPor S. Matias, noites iguais aos dias.Chuva de Fevereiro vale por estrume.Se Março dá de rabo, nem fica orelha parida nem pastor açamarrado. (não será antes "ovelha" em vez de "orelha"???)
Quando o Março sai ventoso, sai o Abril chuvoso.Água de Março, quanta o gato molhe o rabo.O que Abril deixa nado, Maio deixa-o espigado.Vinha que rebenta em Abril, dá pouco vinho para o barril.Não há mês mais irritado do que Abril zangado.A boa cepa, Maio a deita.Maio que não der trovoada não dá coisa estimada.As águas da Ascensão das palhinhas fazem pão.Chuva em Junho, mordedura de víbora.Na manhã de S. João berra o pulgão (?????!!!)
Até S. Pedro tem o vinho medo.Em Julho reina o gorgulho.Quem em Julho ara e fia, ouro cria.Pela Senhora de Agosto, às sete é sol posto.Trovoadas em Agosto, abundância de uva e mosto.No pó semeia que Setembro te pagará.Pelo S. Mateus, faz conta das ovelhas que os borregos são teus.Quem se ajusta pelo S. Miguel, não se assenta quando quiser.Por S. Simão, favas no chão.Em Novembro, chuva, frio e sol e deixa o resto.Pelo S. Martinho semeia o teu cebolinho.Em Dezembro, a uma lebre galgos cento.O que não se faz no dia de Santa Luzia faz-se no outro dia.No dia de São Silvestre, não comas bacalhau, que é peste.