"Cruz, Paixão e Morte", Conceição SapateiroCaldas da Rainha e Barcelos são duas cidades que têm em comum uma produção cerâmica tradicional de excepção. Infelizmente, a maioria das pessoas só pensa nos falos das Caldas (desculpem-me o pudor de dizer "falos" em vez de outra coisa) e nos galos de Barcelos. De Barcelos, contudo, tenho uma preferência especial pela sua arte sacra popular com aspecto caricatural. A religiosidade nortenha não se escandaliza, em nada, em representar os santos - e até Jesus Cristo - com orelhas de abano, olhos esbugalhados, ar invariantemente sorridente e proporções corporais copiadas aos bebés. Ceramistas como Rosa e Júlia Côta ou Conceição Sapateiro transformam o barro num arraial minhoto de cores e brilhos que ofuscam qualquer galo de Barcelos. De Conceição Sapateiro (autora de uma série de figuras alegóricas sobre os sete pecados capitais, de que ressalto a obscenidade recatada da luxúria - que pode ser apreciada no Museu de Cerâmica de Barcelos) é esta belíssima cruz exposta num nicho da fachada ocidental da Câmara Municipal de Barcelos, com a representação dos momentos chave da Paixão de Cristo. Apesar, contudo, da ressurreição coroar o conjunto, é interessante que o título da obra limita-se a numerar a ideia do sacrifício: "Cruz, Paixão e Morte".
Vale a pena ver a sério. Mas a Câmara já podia ter mandado alguém limpar o vidro que protege o nicho...