O Senhor Arcebispo já deixava a César o que é de César. Já não basta andar sempre a pedir que a austeridade seja bem explicada, que é como quem diz, a pedir que acalmem as ânsias de justiça da populaça com homilias económicas, que ele já deve ter dificuldade em escrevê-las, e vem agora também vociferar contra as mentiras dos astrólogos. Estará a falar das previsões astrológicas do Rei Mago Gaspar? Se assim é, congratulo-me pelo sinal de lucidez do senhor arcebispo, mas se é da Maya, já tenho de discordar. Cada um acredita nas mentiras que quiser, senhor arcebispo - e as suas não são melhores que as outras.
O prelado continua:Por que é que nós consentimos que tantos seres humanos continuem a ser vítimas da miséria social?
Eu explico: para ganhar mais dinheiro, meu caro Watson.
O prelado pergunta: Por que é que nós consentimos que tantos seres humanos continuem a ser vítimas da violência doméstica?
Eu explico: porque, entre outras coisas, há ainda noções tradicionais e anacrónicas sobre família, que vêm do tempo em que à Igreja pouco importava se havia ou não violência doméstica, desde que a função reprodutiva fosse assegurada.
O prelado questiona:Por que é que nós consentimos que tantos seres humanos continuem a ser vítimas da escravatura laboral?
Eu explico: para que alguns dos seus amigos que lhe beijam o anel poderem partilhar generosamente uma parte dos seus lucros nas suas obras de caridade.
O prelado pondera: Por que é que nós consentimos que tantos seres humanos continuem a ser vítimas do legalismo da morte?
Eu explico: bem... talvez explicasse. Mas não sei o que é isso. Tem a ver com a eutanásia? Ou está a falar dos direitos dos homossexuais que, tanto quanto sei, fazem parte daquilo a que suas santidades chamam de cultura da morte... mas como o Google também não me explica o que é isso de legalismo da morte, terei de me abster de fazer interpretações abusivas.
O prelado pergunta: Por que é que nós consentimos que tantos seres humanos continuem a ser vítimas de uma classe política incompetente?
Eu explico: bem... talvez explicasse. Se definisse o que é ser competente. Dizer que o problema político do país é uma questão de competência é dizer que os objetivos prosseguidos são desejáveis. Se os considera desejáveis, então posso afirmar-lhe que este governo tem sido muito competente.
O prelado continua: Por que é que nós consentimos que tantos seres humanos continuem a ser vítimas do desemprego?
Eu explico... deixe-se de tretas. Até você sabe a resposta a isso.
O prelado critica: “Os políticos, por seu turno, refugiam-se em questões sem sentido do verdadeiro bem comum”.
Defina bem comum, senhor arcebispo, que é para eu ver se estamos a falar do mesmo.
O prelado continua: “e o sistema bancário, depois de ter imposto a tirania de consumos desnecessários para atingir metas lucrativas, hoje condiciona o crédito justo às jovens famílias portuguesas, com taxas abusivas que dificultam o acesso a uma qualidade de vida com dignidade”...
Hum, estás lá perto... mais um bocadinho e até podias explicar as causas da crise e para onde é que vai o dinheiro recolhido nesse imenso ofertório que é a austeridade... Agora vais apelar à revolta dos injustiçados e dizer que estarás ao lado deles a lutar pela sua dignidade, certo?
O prelado responde: “a solução está em Jesus, o autêntico libertador do povo, porque concede crédito (atenção) aos mais pobres, defende o ideal da fraternidade”.
Eu: Ah... estou a ver. Jesus, pois claro. Pensava que estava a falar de fome, desemprego, violência, exploração... peço desculpa, devo ter-me enganado.