Julgas que és sincero,
Idealista.
Que o mundo é mau, mentiroso,
E tu és bom.
Que saberias fazer melhor que Deus
E que se fosses Satanás,
Farias melhor oposição.
No alto, diz Deus, que se faça luz
E tu, em vez de trevas, dizes...
Trago luz às tuas trevas.
E Deus desterra-te. Impõe-te um fim,
Porque sabe mais que tu.
Mas tu sabes que, ele, tendo a chave do Inferno,
Não tem a tua alma.
É tua,
E ris.
E Deus diz:
Desgraçado, desterrado, maldito!...
E tendo dito, cala-se. Porque te inveja.
Queria ele ter sido criado
Para renascer nas suas próprias mãos.
Pobre órfão. Abandonado,
Desgraçado, maldito
Nem gerado nem criado. Perdido.
Como ele te admira.
Como deseja o teu orgulho e adia o fim.
Ai de vós, ó anjos que nele esperais.
O temporal do fim dos tempos.
Esperai. Ai. Esperai.
Mas o fim não virá, nem a Glória da Eternidade.
Tudo o que morre dita um novo início.
E Deus não tem outro vício
Senão ver tudo a renascer.
Esperai. Ai. Esperai que venha a Justiça,
Preparai-vos para a liça. Aparelhai os cavalos.
Cingi os rins com mentira das suas promessas.
Esperai. Ai. Esperai. Homens de fé.
Para vós só um dia virá.
O da colheita. E sereis vós os ceifados.
E, mortos,
Sereis vós os dentes dos arados,
Insensíveis à terra e aos pedregulhos.
Sereis semente, sereis a dor de quem não sente.
Senti. Senti agora. Que depois não sentireis.
Sereis apenas estrume.
E não espereis. Ou esperai. Ai, esperai,
Talvez vos saiba bem.
Esperar tem o sabor do sal, do além, fino,
leve, amargo, com um travo de podre adocicado.
Esperai. Saboreai o corpo por vós negado.
Trancai-vos em caixões, reprimi as paixões.
Entregai-vos. Prendei-vos. Humilhai-vos,
Ajoelhai-vos perante as trevas de quem vos promete a luz.
Esperai. Ele criou a luz! Mas entregou-vos às trevas.
Esperai. Sentai-vos.
Ele criou a luz porque não é luz. É trevas.
É escuridão. Podre antes de ser.
Morto antes de nascer.
A luz está na criação. Na arte. Na imaginação.
Ele não é luz. Nunca foi. Deseja-a.
É desejo. Lá isso é. Sempre foi.
Nisso se resume o ser, em desejar.
Em esperar. Malditos, podeis esperar
Que o sangue pare de correr sem vos alegrar os olhos.
Esperai o dia em que a violência não vos acenda o coração
Com a beleza do que morre sem murchar.
Esperai. Ai, esperai. Malditos,
Proscritos. Esperai. Ai, esperai.
Deus Pai tratará de vos fazer esperar mais.
E prolongar a espera na eterna primavera
De quem nunca nasceu.