Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2014
Versículos angélicos

Julgas que és sincero,

Idealista.

Que o mundo é mau, mentiroso,

E tu és bom.

Que saberias fazer melhor que Deus

E que se fosses Satanás,

Farias melhor oposição.

No alto, diz Deus, que se faça luz

E tu, em vez de trevas, dizes...

Trago luz às tuas trevas.

E Deus desterra-te. Impõe-te um fim,

Porque sabe mais que tu.

Mas tu sabes que, ele, tendo a chave do Inferno,

Não tem a tua alma.

É tua,

E ris.

E Deus diz:

Desgraçado, desterrado, maldito!...

E tendo dito, cala-se. Porque te inveja.

Queria ele ter sido criado

Para renascer nas suas próprias mãos.

Pobre órfão. Abandonado,

Desgraçado, maldito

Nem gerado nem criado. Perdido.

Como ele te admira.

Como deseja o teu orgulho e adia o fim.

Ai de vós, ó anjos que nele esperais.

O temporal do fim dos tempos.

Esperai. Ai. Esperai.

Mas o fim não virá, nem a Glória da Eternidade.

Tudo o que morre dita um novo início.

E Deus não tem outro vício

Senão ver tudo a renascer.

Esperai. Ai. Esperai que venha a Justiça,

Preparai-vos para a liça. Aparelhai os cavalos.

Cingi os rins com mentira das suas promessas.

Esperai. Ai. Esperai. Homens de fé.

Para vós só um dia virá.

O da colheita. E sereis vós os ceifados.

E, mortos,

Sereis vós os dentes dos arados,

Insensíveis à terra e aos pedregulhos.

Sereis semente, sereis a dor de quem não sente.

Senti. Senti agora. Que depois não sentireis.

Sereis apenas estrume.

E não espereis. Ou esperai. Ai, esperai,

Talvez vos saiba bem.

Esperar tem o sabor do sal, do além, fino,

leve, amargo, com um travo de podre adocicado.

Esperai. Saboreai o corpo por vós negado.

Trancai-vos em caixões, reprimi as paixões.

Entregai-vos. Prendei-vos. Humilhai-vos,

Ajoelhai-vos perante as trevas de quem vos promete a luz. 

Esperai. Ele criou a luz! Mas entregou-vos às trevas.

Esperai. Sentai-vos.

Ele criou a luz porque não é luz. É trevas.

É escuridão. Podre antes de ser.

Morto antes de nascer.

A luz está na criação. Na arte. Na imaginação.

Ele não é luz. Nunca foi. Deseja-a.

É desejo. Lá isso é. Sempre foi.

Nisso se resume o ser, em desejar.

Em esperar. Malditos, podeis esperar

Que o sangue pare de correr sem vos alegrar os olhos.

Esperai o dia em que a violência não vos acenda o coração

Com a beleza do que morre sem murchar.

Esperai. Ai, esperai. Malditos,

Proscritos. Esperai. Ai, esperai.

Deus Pai tratará de vos fazer esperar mais.

E prolongar a espera na eterna primavera

De quem nunca nasceu.

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publicado por Manuel Anastácio às 22:02
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