Domingo, 19 de Janeiro de 2014
(19/01/2014)
Amigo, as coisas mudaram.
Heráclito sabia o que dizia,
Quando as palavras que não escrevia
Eram ditadas de outra forma.
Não somos os mesmos
Amigos.
O mundo virou páginas.
Não as virei eu. Talvez Deus,
O do nosso cinismo partilhado,
Tenha aberto com o teu desvio,
Tolle et lege
Um capítulo novo que diz
Já não estou ao alcance de te ouvir
Sem outro intermédio que o ar.
Os afetos ganharam novos contornos,
Outras sombras
Por outras luzes.
Não estás. Deixaste no teu lugar uma candeia
E por isso, porventura, pensarás
Que me basta velar a tua ausência.
Já não me chegam os teus postais de Natal.
Ainda os escreverás, alegrando-te
No nascimento de um deus morto?
Amigo. Não te escolhi
Não te procurei
Não te achei. O teu mundo era outro
Os teus livros eram outros e eram mais que os meus.
Mas fazias os meus parecerem mais vastos do que eram.
Eras dos poucos que celebravam cada letra morta
Dos poemas que morriam na minha mão.
As coisas mudaram.
Talvez já não possas vir cá a casa
Como ficou pendente.
Talvez venha por ti outra amada gente.
As coisas mudaram,
A ausência escreve outros poemas.
As rimas escasseiam. Perderam-se cheiros.
Ligo-te e não atendes
Porque as coisas mudaram
Para algo tão parecido com o momento em que, sem o esperar
Disseste
Amigo.
As coisas mudaram
Há links mortos, páginas expiradas
Onde me dedicavas cantos órficos
Digitais.
As coisas mudaram.
Mas ainda espero.
Assim prefiro. Assim o quero, amigo,
A esse livro
Aberto pela casa onde comi e bebi contigo.
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publicado por Manuel Anastácio às 17:16
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