Há dois dias escrevi no Facebook: “Há pessoas que estão fartas de ideias dos políticos. Querem ações. Será que se lhes derem um tiro nas trombas ficam satisfeitos? É uma ação...suponho que não gostem é da IDEIA…” Serviu-me este desabafo para compreender a minha solidão mental.
A ideia de que “é a trabalhar que se vai para a frente” está de tal modo inculcada na mente das pessoas, que qualquer tentativa para lhes abrir os olhos está condenada à partida. O trabalho dignifica o ser humano, se o trabalho for dignificante, perdoem-me a frase que poderia ter sido escrita pelos próprios soldados de La Palisse. Se me derem uma pá para escavar a minha própria sepultura e eu começar a cavar, estarei a trabalhar. Estarei a andar para a frente. Isso é desejável? Duvido. Eventualmente, será inevitável. E, das duas, uma. Ou me recuso a escavar e levo tanta porrada até ficar inconsciente, ou vou escavando devagar para prolongar a minha tortura. Num caso ou noutro, só tenho à frente a minha condição de condenado à morte, à humilhação e ao sofrimento.
Ideia genial foi a dos nazis quando escreveram à entrada dos seus “campos de trabalho” a famosa frase “Arbeit macht frei” - “o trabalho libertar-te-á”. O trabalho não libertaria ninguém que lá entrasse. A acção só apressaria a exterminação do “trabalhador” e daqueles que eram do seu afeto. Isso foi evidente, por exemplo, entre o grupo de judeus encarregados de falsificar a moeda dos aliados a favor do Reich. Atenuaram o seu dilema de colaboracionistas (mesmo que à força) com um constante boicote aos fins do trabalho que lhes foi destinado. Não foram heróis, mas esforçaram-se por não serem filhos da puta.
Hoje, são os próprios condenados a exigirem “trabalho” e “ação”, e menos blá blá por parte dessa coisa asquerosa que são os políticos. Ora, a política é discurso, é ideia (e só é asquerosa e mentirosa se for feita por gente mentirosa e asquerosa). E a ação, se não for comandada por ideias, estará sempre ao serviço de quem tem o poder e não ao serviço de quem trabalha. As coisas poderiam ser invertidas se quem tivesse o poder fossem os trabalhadores. Ora, isto não acontece porque os trabalhadores abdicam desse poder a favor da possibilidade de um dia serem eles os exploradores de outros milhares de almas esfomeadas por poder. Abdicam a favor de uma ideia que de tão mesquinha que é nem sequer é exteriorizada politicamente em discursos "repetivos".
O povo está farto de “ideias”, de “pensamento”, de “discursos repetitivos”, da “cassete dos comunistas”. Então, que trabalhem. Atuem. Quando o buraco estiver suficientemente fundo, os donos da arma de fogo terão muito prazer em satisfazer-lhes a vontade de ação. E o fim virá com uma pancada seca.
E seria muito bem feito. A natureza não se compadece dos fracos. E se o grupo dos “trabalhadores” é fraco, merece bem a morte sumária… Seria assim, mas os poderosos não querem matar ninguém. São demasiado requintados para isso. Preferem manter os espécimes minimamente saudáveis aptos para trabalhar. Crentes que, com o seu trabalho, um dia libertar-se-ão. Quando escravizarem os outros.
É bonito este mundo, não é?
na Guiné uma mulher diz
ou talvez em Lampedusa
aqui nunca aconteceu nada disso,
isso,
de matar menino
se tivesse acontecido,
já o céu estaria de acordo,
e as estrelas alinhadas
na infanticida conjugação das coisas certas
porque tudo é certo se alguma vez aconteceu
tudo o que é novo é abominável
aos olhos do senhor
aquele
que faz novas todas as coisas