Domingo, 30 de Setembro de 2012
Cântico de Francisco apóstata nos braços de Clara

Louvado sejas, Senhor,

pelo irmão muçulmano que me quer morto,

pelo irmão capitalista que me quer escravo,

pelo irmão comunista que me quer fantoche,

pelo irmão patrão que me quer até não servir,

pelo irmão governante que me quer calado,

pelo irmão colega que me quer pelas costas,

pelo irmão discípulo que me quer ultrapassado,

pelo irmão amigo que me quer quando dá jeito,

pelo irmão camarada que me quer alinhado,

pelo irmão sacerdote que me quer reverente,

pelo irmão lobo que me quer extinto,

pela irmã cobra que me quer mordido,

pelo irmão católico que me quer alienado,

pelo irmão protestante que me quer outro,

pelo irmão ateu que me quer ateu,

pelo irmão desconhecido que me quer incógnito,

pelo irmão idealista que me quer teoria,

pelo irmão marxista que quer peça descartável,

pelo irmão Sol que não sabe que existo,

pelo irmão Senhor que em mim resiste

quando o nego.

Louvado sejas, Senhor, pelas tuas criaturas

que não aturas

nas tuas inalcançáveis transcendentes alturas.

Obrigado,

Senhor,

pelo amor fraternal. Menos mal, Senhor,

Obrigado pelo irmão Eu,

Entre o agnóstico e o ateu,

que te agradece porque não és meu

Nem eu sou teu.

Graças a ti, Senhor,

Dei-me a uma criatura que me atura,

apesar da sua inalcançável transcendente altura.

Obrigado, Senhor, por me teres dado

ao paciente irmão verdugo que se chama Amor,

antes de retornar irmãmente aos braços do Criador.

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publicado por Manuel Anastácio às 21:41
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Quinta-feira, 27 de Setembro de 2012
Do que é meu

O céu lá fora.

Eu cá dentro,

nada. Lá fora, quase tudo:

os homens que se atropelam,

e fingem encontrar em nós algo mais que uma poeira.

Há que ver dos dois lados, mas só um interessa,

o nosso.

O nosso lado, a nossa voz, o nosso dinheiro.

E logo eu, que penso no que é vosso,

que para mim não quero mais do que aquilo que é meu.

A Providência deu-me os olhos, a boca,

os tintins e anexos.

Não vacilam entre privatizações e nacionalizações,

conforme a tola predileção de quem vota

e se manifesta em festa tonta.

O céu lá fora. Nuvens em pedaços.

Tão belo e ninguém vê, ou vê mas não olha

ou qualquer coisa saramaguiana do mesmo jeito.

O mundo é tão bonito,

e é por isso que acredito que Deus não olha por mim.

Eu cá dentro. Caneta BIC vermelha

Corrigindo testes.

Lá fora, tudo,

Cá dentro nada.

Nada sou.

Mas ao meu lado,

Tudo.

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publicado por Manuel Anastácio às 23:06
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Segunda-feira, 10 de Setembro de 2012
Deus e Eu

O que me irrita, de forma benigna, nos meus melhores amigos, é que eles não pensam como eu e, pricipalmente, eu não os compreendo de todo. Deus é um deles. Visita-me com frequência. Nunca me convida, aparece quando lhe apetece, e eu não levo a mal, até porque raramente aparece em alturas impróprias. Privilégio de ser Deus. Letra maiúscula por ser nome próprio e não por qualquer reverência. O cabrão, que é assim que o chamo e ele não leva a mal, condenando-me apenas ao Inferno (que ele jura não ter inventado) dá apenas uma gargalhada malévola e deixa a coisa continuar na amena cavaqueira. Há dias, estava eu piúrço com o gajo, chamei-lhe nomes que dava para um múltiplo infinito de Inferno, e amandei-lhe à cara que o Amor não poderia permitir a Morte, que eram coisas incompatíveis e que por isso, São João Evangelista, um gajo a quem pedi amizade no Facebook e até agora não respondeu, estava errado. Toda a gente que não aceita a minha amizade no Facebook está errada, como é óbvio. Não é o caso de Deus que não tem Facebook porque se diverte a ver contas fantasma a usurparem-lhe a divindade sem que o pessoal da Califórnia ligue puto à coisa. A Morte... dizia eu... e ele: sem a Morte não davas um chavo pelo Amor. E eu, que sou um gajo apaixonado para quem as mulheres se resumem a duas, a minha e as outras (Deus ainda me atirou à cara que ninguém possui pessoa alguma mas eu, como fanático que sou, dei um peido pela divina laracha), disse-lhe que só alguém com sérios problemas de Amor (a isso, o gajo fez um ar triste que me comoveu e que me levou a pensar que a vida amorosa é complicada até para quem é Todo Poderoso) é que podia ter inventado a Morte. E ele  disse-me, com a capacidade dada por milénios de conversas como esta, que estava sem palavras. E perguntou onde é que era a casa de banho. Ele foi e ouvi-o a virar o barco. Quando abriu a porta dei-lhe um abraço. Não te compreendo, és mau como as cobras ou pior, mas quem é que não fica avariado dos cornos pelo simples facto de ser Deus?... Ele sorriu, confundido e disse-me que eu não sabia a sorte que tinha. Enquanto ele descia pelo elevador, senti-me grato. Obrigado, Deus. Podes ser um verme execrável, mas deu-me a impressão que nos criaste assim por te sentires infinitamente inferior a alguém que te fez o que nos fazes a nós. 

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publicado por Manuel Anastácio às 22:21
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