Se há coisa que o Minho não tem, é o encanto vertical do nevoeiro que só a lezíria do Tejo consegue ter. O Silvério Salgueiro teve a amabilidade de, amigando-me, dar-me estas fotografias esplêndidas daquele sítio onde desperdicei o meu tempo de formação com esquerdistas bacocos (que os há) como o João Sebastião da braguilha aberta ou direitistas cheios de si, como o Ramiro Marques, excelente exemplar de uma mediocridade intelectual formada em Boston e que é uma das senhoras donas feias do poema anterior. Ainda assim, tive o privilégio de conhecer, por exemplo, a Maria do Céu Roldão (cujo único grande defeito foi defender a iniquidade da Milu de má memória) ou outros exemplares, todos eles com defeitos, mas uns mais humanos que outros - e todos eles contribuintes beneméritos do que de bom tenho hoje na personalidade. Que os defeitos, carrego-os sozinho e não os imputo a ninguém. Muitas saudades tenho eu da Ti' Emerenciana, a senhora que na entrada nos dava conta dos recados quotianos com uma bonomia reverencial. Um dia, decidimos fazer um jornal como deve ser. Debateu-se o nome a dar ao periódico (que, tanto quanto sei, teve apenas dois números) e eu avancei com "Ti' Merenciana". As outras funcionárias não gostaram da homenagem. Azar. Às vezes sou muito meritocrático. Sou gente. Não sou uma ideologia ambulante, ao contrário do que pensa muita senhora dona feia que me descreve como "bloquista" ferrenho. Ferrenho é adjectivo para adeptos de futebol, não para gente de pensamento, como será qualquer pessoa que pensa sobre os problemas que nos atingem a todos (ou a alguns, os gregos). Muitos bloquistas pensarão, ou pensam, aliás, que sou pouco ferrenho nestas questões. É uma razão porque sou bloquista e não comunista, onde o livre pensamento não tem tanto espaço para se expandir. E eu sou pelos espaços abertos. O Ribatejo, região onde há a única autarquia bloquista de Portugal, é também a região mais atípica de Portugal. E não há mal algum nisso. É uma zona de confluência e de miscigenação de culturas, coisa que eu, como bloquista ferrenho (aqui pode ser), muito prezo. Espaços abertos.
Mas
Se há coisa que o Minho não tem, é o encanto vertical do nevoeiro que só a lezíria do Tejo consegue ter. Deixemos as fotografias, amigavelmente cedidas pelo Silvério Salgueiro, falar por si. Da sua varanda (ou janela, não sei bem) vê-se o meu colégio andaluz. Podem estas fotografias dar um toquezinho do que poderá ser tal vista. Eu talvez mostre, um dia destes, o palácio francês que se vê da minha varanda. Amanhã vou estar lá dentro a passar uma valente seca de que nem a fé da Ministra da Agricultura me salva (mulher de pouca fé, valha-nos Deus).
Agora sem nevoeiro. Menos belo, diriam os amantes da estética rasca das figurinhas das brumas de Avalon, mas mais verdadeiro. As oliveiras fazem-me lembrar outros sítios. Onde estive, ou nem por isso. Obrigado, Silvério.
Dona Senhora feia
Que me fazeis fastio,
Ai Deus, não mereço o enguiço
De vos não desamigar.
Dona Senhora feia
do sorriso postiço,
Por Deus, não mereço o enguiço
de vos aturar.
Senhora dona feia
- se sois senhora e não só meia,
que a meia coisa de mau feitiço
fazeis por vos aparentar.
Podeis até nem ser senhora
E em vez de passarinha ter chouriço
Mas não me causeis o enguiço
De convosco me cruzar.
Senhora dona feia,
que em má hora pediste amizade,
Ou pedi eu, pelo demo embarcadiço,
podeis ser a flor do caniço,
Que o demo, pardeus, que nos amigou,
Já me vos fez desamigar.
Nunca estive na Andaluzia, mas estudei num colégio andaluz. Durante quatro anos.
Da minha varanda vê-se um palácio francês.
O Entroncamento é, provavelmente, a localidade que mais odeio de todas as terras lusas. Lá vivi os piores momentos da minha vida e lá estive à beira de me desfazer no pó dos desgraçados. Uma terra fantasma, um subúrbio de favos vazios num cruzamento de vias que cada vez tem menos importância para as pessoas que, antes, dali só conheciam um ponto de paragem feio de doer, mais algumas anedotas sobre vegetais anormalmente executados pela Natureza. Hoje, estando eu numa das (que poderiam ser uma) mais belas cidades do mundo, chegam-me aos ouvidos sinais de uma sabedoria e largueza de horizontes que não vejo entre aqueles que construiram e reconstruiram a Praça da Oliveira e a Colegiada da Senhora da mesma árvore. Há, talvez, na mediocridade das pedras, a elevação das almas. Foi entre a escória do Entroncamento que contruí o que de melhor há em mim. Entre as fachadas ritmicamente perfeitas de Guimarães, porém, sentiria adormecer a força do amanhã, não houvesse outro calor primaveril que o do granito mandado erigir pela Mumadona. Amo esta cidade como jamais amei qualquer pedaço de terra (exceptuando talvez a paisagem irremediavelmente extinta e impossível de reinventar do Carvalhal da minha infância). Talvez por isso me doa tanto a vulgaridade que se mantém naqueles que um dia serraram uma oliveira sagrada aos olhos do povo e a continuam a fazer em pedaços, sabendo que o povo é manso e dado à meditação morta de um rosário feito de caroços de azeitona.