Segunda-feira, 31 de Outubro de 2011
Fábulas de Esopo: O leão moribundo

Doente, no fim da vida,

Sufocado de aflição,

Com a força constrangida

Pela dor estava o leão.

De rastos, junto à morada

Da sua jurisdição.

Logo se forma manada

Em torno do decadente.

Em respeito iniciada,

Atraída gravemente

pela dor, se forma fila

querendo ver o doente.

Assim que a morte perfila

os seus traços no monarca

logo a vingança cintila

entre a multidão anarca.

"É boa a ocasião

de fazer o patriarca

sentir a humilhação

que ele já nos fez sofrer".

Vem o javali malsão

com as presas a fremer

prontinhas para o castigo

fazendo o leão gemer.

De igual forma, sem perigo,

lhe lançou o touro os cornos.

Assim seguiu o fustigo

sem no trato serem mornos.

Sentindo os cascos do burro,

Tendo chagas como adornos,

Impotente a cada murro

que em fila se sucedia,

cego p'lo sangrento enxurro,

sem predizer acalmia

no ardor da multidão,

para si mesmo dizia

perante tal beija-mão:

"antes de uma outra morte

os meus vassalos me dão",

mas vero é que contra o forte

nunca os cobardes se viram

a não ser que venha a sorte

e as forças se transfiram.

 

Versão de Manuel Anastácio

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publicado por Manuel Anastácio às 22:26
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Domingo, 30 de Outubro de 2011
Impressão

O pincel desliza sobre o papel e desvenda-lhe as rugas.

Os traços requebram-se em vazias baías sobre o espaço.

Mas o traço que traço não transporta em si qualquer imperfeição.

A letra do que faço é ilusão sem caligrafia.

Não é arte porque ninguém a cria.

Apenas uma bilbioteca de livros em branco me define o eu

Porque nela cabem palavras que Deus, por si mesmo, não concebeu.

 

O pincel que desliza sobre o papel descreve um gesto,

o resto em nós. Nem nos olhos

Nem na compreensão.

Julgamos compreender os sinais.

Mas nada mais há no pincel

Que um não a óleo sobre tela

Do reflexo de olhos ignotos que me veem

Sem que os veja eu. Sem que eu me reveja nela.

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publicado por Manuel Anastácio às 10:12
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Sexta-feira, 28 de Outubro de 2011
As pedras, de Tomas Tranströmer ("17 Poemas", 1954)

As pedras que atirámos, ouço-as
cair, cristalinas, ao longo dos anos. No vale,
as confusas ações de um instante
voam chiando de
copa em copa e silenciam-se
e desvanecem-se mais que o agora, deslizam
como andorinhas de cume
em cume, até que tenham
atingido o mais afastado dos planaltos
ao longo da fronteira do ser. Onde todos
os nossos atos caem
cristalinos
sem mais sítio em que cair
que não em nós mesmos.
Versão de Manuel Anastácio, a partir da versão em inglês de Robin Fulton
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publicado por Manuel Anastácio às 22:29
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XLVIII

A árvore como vaso, jardim de Serralves.

publicado por Manuel Anastácio às 22:25
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Meditação inquieta, , de Tomas Tranströmer ("17 Poemas", 1954)

Uma tempestade roda selvaticamente as pás do moinho
na escuridão da noite sem nada moer. -Tu
manténs-te desperto segundo as mesmas leis.
O ventre do tubarão-cinzento é a tua fraca candeia.

Recordações amorfas afundam-se no oceano
e enquistam aí em esquisitas colunas. -Verde
de algas é o teu assento.  Um homem
que vá para o mar volta endurecido.

 

Versão de Manuel Anastácio, a partir da versão em inglês de Robin Fulton

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publicado por Manuel Anastácio às 22:04
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