Doente, no fim da vida,
Sufocado de aflição,
Com a força constrangida
Pela dor estava o leão.
De rastos, junto à morada
Da sua jurisdição.
Logo se forma manada
Em torno do decadente.
Em respeito iniciada,
Atraída gravemente
pela dor, se forma fila
querendo ver o doente.
Assim que a morte perfila
os seus traços no monarca
logo a vingança cintila
entre a multidão anarca.
"É boa a ocasião
de fazer o patriarca
sentir a humilhação
que ele já nos fez sofrer".
Vem o javali malsão
com as presas a fremer
prontinhas para o castigo
fazendo o leão gemer.
De igual forma, sem perigo,
lhe lançou o touro os cornos.
Assim seguiu o fustigo
sem no trato serem mornos.
Sentindo os cascos do burro,
Tendo chagas como adornos,
Impotente a cada murro
que em fila se sucedia,
cego p'lo sangrento enxurro,
sem predizer acalmia
no ardor da multidão,
para si mesmo dizia
perante tal beija-mão:
"antes de uma outra morte
os meus vassalos me dão",
mas vero é que contra o forte
nunca os cobardes se viram
a não ser que venha a sorte
e as forças se transfiram.
Versão de Manuel Anastácio
O pincel desliza sobre o papel e desvenda-lhe as rugas.
Os traços requebram-se em vazias baías sobre o espaço.
Mas o traço que traço não transporta em si qualquer imperfeição.
A letra do que faço é ilusão sem caligrafia.
Não é arte porque ninguém a cria.
Apenas uma bilbioteca de livros em branco me define o eu
Porque nela cabem palavras que Deus, por si mesmo, não concebeu.
O pincel que desliza sobre o papel descreve um gesto,
o resto em nós. Nem nos olhos
Nem na compreensão.
Julgamos compreender os sinais.
Mas nada mais há no pincel
Que um não a óleo sobre tela
Do reflexo de olhos ignotos que me veem
Sem que os veja eu. Sem que eu me reveja nela.
A árvore como vaso, jardim de Serralves.
Uma tempestade roda selvaticamente as pás do moinho
na escuridão da noite sem nada moer. -Tu
manténs-te desperto segundo as mesmas leis.
O ventre do tubarão-cinzento é a tua fraca candeia.
Recordações amorfas afundam-se no oceano
e enquistam aí em esquisitas colunas. -Verde
de algas é o teu assento. Um homem
que vá para o mar volta endurecido.
Versão de Manuel Anastácio, a partir da versão em inglês de Robin Fulton