Um muito mau trailer de um filme belíssimo. Se pretende ver o filme, não carregue no play. Mostra mais do que deve. E não estou a falar dos nus, claro...
Quando este filme acaba, em vez da habitual reflexão ou reprise musical, o genérico é acompanhado de simples sons de aves e um certo e plácido rumor de vento. O mérito do trabalho de Gotz Spielman está em contar uma história, por vezes pouco credível e onde o argumento, traçado segundo um esquiço que não passa muito além disso, com a graça de uma autêntica obra de arte ao preencher a sua estrutura com uma cinematografização soberba dos momentos ditos mortos. É um filme de dobradiças. Um biombo. As dobradiças são os momentos chaves do enredo, os momentos que se esperam, os momentos que se temem e os momentos que, providencialmente (e é aqui que o enredo não consegue passar de esquiço), resolvem os dilemas das duas personagens centrais. O filme começa por apresentar o primeiro par amoroso no contexto sórdido da prostituição urbana e, em contraponto, um segundo par amoroso na placidez rural de um local geograficamente próximo. A história leva à aproximação dos dois pares e, qual metáfora goethiana das Afinidades Electivas, estabelece-se um ciclo bioquímico atribulado que passa pela extinção de compostos e pela formação de outros, sem que, alguma vez, se negue o amor que une os dois pares. Desenganem-se, contudo, se julgam que falo de triângulos amorosos ou coisa que o valha.
Há outras dobradiças no filme. Ao contrário das outras, estruturais, narrativas, estas são puro deleite poético. A mais bela de todas é sugerida no primeiro plano: a superfície das águas calmas de um lago que reflete a copa das árvores que o ladeiam e que é subitamente agitado pelo cair do que se julga ser uma pedra e que se refere a uma cena, já próxima do final e da resolução do enredo, onde o mesmo acontecimento é filmado por entre os troncos das árvores que víamos espelhados na água, no primeiro plano, enquanto a superfície do lago é, agora, não subitamente perturbada pelo cair do que se julga ser uma pedra, mas ofuscantemente transformada por um sopro que percorre o plano e o enche de luz. Sem dúvida um dos mais belos planos alguma vez cinematografados. Não sei até que ponto é que as condições de filmagem (ou mesmo após) foram ou não manipuladas para chegar àquele resultado, mas a verdade é que os meus olhos continuam a descrer do que viram.
Bic laranja, tem escrita fina, Bic normal tem escrita normal. E há a Bic musical. Que serve para tocar o forró esferográfico dos Cabruêra, que ouvi pela primeira vez pela mão (ou pés) de uma coreografia da Olga Roriz, no seu "Inferno", no Centro Cultural Vila Flor. Tocado com caneta Bic em vez de palheta. Bonito. Mesmo que a freira do "Doubt", ache que esferográficas são instrumentos do laxismo iníquo dos nossos dias. Hoje em dia são os telemóveis. Os telemóveis. Os telemóveis... QUANDO É QUE PERCEBEM QUE O MAL NÃO SÃO OS TELEMÓVEIS NA ESCOLA, MAS O FACTO DE OS ALUNOS NÃO LIGAREM PUTO AO QUE SE PASSA NAS AULAS???... Perdoem-me a divagação mesquinha. E por ter gritado.
L' Origine du monde, de Gustave Courbet
Será que a PSP de Guimarães vai mandar suspender o meu blogue? Tomara que sim. Sempre era publicidade. É pena que em Portugal seja necessário um caso destes para se discutir Arte...
Já agora: por que não mandar fechar praticamente todos os quiosques que servem de galeria de arte para os miúdos à saída da escola?
Entretanto, tenho de actualizar este artigo da Wikipédia.
"Lamentação da Virgem", de "As Horas da Cruz" do Mestre de Rohan. 1435
No horizonte, na ténue linha onde os gritos morrem
E se cala o eco,
As montanhas concentram-se num fractal
Onde o bem e o mal tomam formas
De insuportáveis dimensões.
Antes do horizonte, insustentáveis, as coisas fogem ao olhar,
E os sentidos obrigam a um só momento.
Antes do horizonte não há memória nem pensamento,
E a erosão destrói a história e qualquer outra ilusória narração.
As imagens, oxidadas, envelhecem, veladas em poeira e abrasão.
Os mantos abrem buracos por onde o coração das coisas vê as estrelas
E Abraão, sem vê-las, planeia veredas.
Mas antes do horizonte apenas seguem sendas e atalhos
Cortados em retalhos sem limite.
Antes do horizonte, os caminhos
Esbarram na impossibilidade de atravessar o que a luz obriga.
Dos mais curtos, dos prometidos, há pedaços.
Há fragmentos de percursos interrompidos.
Há farrapos de mera possibilidade.
E, na verdade, perdidos,
Somos rendidos nos caminhos pelos deuses que passam
E nos trespassam com sonhos e promessas
Que se esbatem no horizonte.
A erosão corrói a cutícula do universo
E há no seu inverso, a deposição, o mistério das coisas como elas são.
Cena final de Slumdog Millionaire. Talvez seja eliminada do Youtube nas próximas horas por violação de direitos de autor, mas enquanto isso não acontece...
Primeiro: gosto dos óscares. São uma autêntica feira de futilidades, mas gosto. Gosto de apostar, gosto de os discutir. Não gostei muito do aspecto caseiro do espectáculo deste ano. Mas gostei de não exisitirem tempos mortos.
Melhor filme
"Slumdog Millionaire" - acertei. Gostei de ver nas notícias a gente dos bairros de lixo batido a ver a cerimónia numa televisão no meio da rua. Gostei menos das esperanças que aquela gente tem de ver os óscares a chegarem nas mãos das crianças. O óscar vai para o produtor. O momento de glória daquelas crianças atingiu o pico quando subiram ao palco. A partir de agora, duvido de qualquer futuro dourado. Quanto ao Benjamin Button, baseado num belo (e divertido) conto de Scott Fitzgerald, foi para mim uma desilusão. O filme não é particularmente divertido e é, na minha opinião, sobrevalorizado (apesar de gostar da ideia da aproximação do furacão sobre Nova Orleães e do consequente final - coisas que, obviamente, não existem no conto original).
Melhor reaizador
Danny Boyle - ‘Slumdog Millionaire’. Acertei. Já gostava do realizador de Trainspotting. Já gostava da forma como a sua sensibilidade de video clip conseguia manter um filme sempre acima da cultura MTV. Não há realizador que melhor consiga filmar, literalmente, a merda e gente a mergulhar nela e, ainda assim, manter um sorriso nos lábios de quem vê a porcaria.
Melhor actor
Sean Penn - ‘Milk’. Errei. Pensei que o Mickey Rourke, com the ‘The Wrestler’, já tinha o óscar no papo. Não teve. Sean Penn mereceu o prémio e o tempo de antena. E Rourke saiu, ainda assim, como vencedor moral. E foi o único homem de quem se falou a respeito da indumentária. Já é muito.
Melhor actriz
Kate Winslet - ‘The Reader’. Acertei. Anne Hathaway, em ‘Rachel Getting Married’ faz bem o seu papel, mas o filme é um beco sem saída. Angelina Jolie está bem em ‘Changeling’, mas falta-lhe um pouco de pimenta malagueta. Melissa Leo, em ‘Frozen River’, revelou ao mundo que não deve ser ignorada, e a Academia já fez muito em estender-lhe o tapete vermelho. Gostaria de a ver noutros papéis. Meryl Streep, em ‘Doubt’, está magnífica, mas já se pode contentar com mais uma nomeação. Não precisa de mais momentos de glória, até porque vai tê-los enquanto se mantiver de pé. Kate Winslet está magnífica em "O Leitor". Ponto. Ainda não vi o Revolutionary Road, mas duvido que esteja melhor aí, ao contrário do que ouvi a outros dizer.
Mehor actor secundário
Heath Ledger - ‘The Dark Knight’. Errei. Philip Seymour Hoffman, em ‘Doubt’, para mim, devia ser o vencedor. A atribuição póstuma de um óscar é um disparate. Façam as homenagens que quiserem, mas por que raio é que se há de dar um mimo a quem já não pode usufruir dele? Outras formas de homenagem seriam mais adequadas. O momento da treta da noite, quanto a mim.
Melhor actriz secundária
Penélope Cruz – ‘Vicky Cristina Barcelona’. Errei. Sabia que era ela que ganhava, mas creio que o papel de histérica não é assim tão difícil de fazer. Ainda mais para uma espanhola. Amy Adams, em ‘Doubt’, era comedida. Gostei da personagem. Tenho para mim que os prémios para os actores premeiam mais o argumentista como criador de personagens que os actores que neles pegam. Claro que se não tiverem unhas... E, pronto, Penélope Cruz tem unhas.
Melhor filme de animação
Wall-E. Sem surpresas. Um filme lindo onde a forma humana de amar se reflecte em personagens que supostamente não poderão amar. Gosto muito, muito, muito, muito deste filme. E o beijo eléctrico do final é um dos maiores momentos amorosos da história do cinema.
Mehor filme estrangeiro
‘Departures’ (Japão). Errei. Não vi. ‘Entre les murs’ (França) foi a minha aposta. Também não vi ainda, apesar de ser professor. Para mais tarde comentar.
Melhor argumento original
Dustin Lance Black, em ‘Milk’. Errei. Mas sem grande surpresa. O filme é bom, o tema é adequado aos tempos que passam... mas, para mim, o low profile de Courtney Hunt, em ‘Frozen River’ é algo que merecia ser valorizado.
Melhor argumento adaptado
Simon Beaufoy - ‘Slumdog Millionaire’. Acertei. Sem dúvida nenhuma, um belíssimo argumento, com um sentido de timing perfeito.
Melhor Banda Sonora
Slumdog Millionaire, de A R Rahman. Acertei. Mas há coisa mais divertida que esta banda sonora? Deixa cá pôr a tocar mais uma vez... Os outros são mais do mesmo, ainda que gosto de todos...
Melhor canção
‘Jai Ho’ - ‘Slumdog Millionaire’... Acertei. Ora deixa cá ver se é desta que aprendo, finalmente os passos de uma dança que seja...
Melhor montagem
Chris Dickens em ‘Slumdog Millionaire’. Errei. Mas sem surpresas e sem desgosto. Mike Hill e Dan Hanley, em ‘Frost/Nixon’ conseguem o perfeito balançar entre as duas partes em jogo. Novamente, o low profile não sobe ao pódio.
Melhor fotografia
Anthony Dod Mantle – ‘Slumdog Millionaire’. Errei. Tom Stern, em ‘Changeling’ é mais criativo. Mais colorido. Mais escuro. Pronto... E esta é uma das categorias em que não costumo errar...
Melhor Guarda-Roupa
Michael O’Connor, em ‘The Duchess’. Errei. Jacqueline West, em ‘The Curious Case of Benjamin Button’ estava bem. Mas nada bate as rendinhas de época da BBC.
Melhores efeitos sonoros
Lora Hirschberg, Gary Rizzo, Ed Novick - ‘The Dark Knight’. Errei. Não ouvi porque não vi. Tom Myers, Michael Semanick e Ben Burtt , em ‘WALL-E’ eram, talvez, demasiado sintéticos, mas podiam ser outra coisa?
Melhor montagem sonora
Tom Sayers - ‘Slumdog Millionaire’. Errei. Ben Burtt, Matthew Wood, em ‘WALL-E’, novamente, prejudicados por trabalharem com material sintético. Mas foi bem atribuído, a um filme que molda os sons da realidade com invulgar e feérica mestria.
Melhor caracterização
Greg Cannom - ‘The Curious Case of Benjamin Button’. Errei. E discordo do vencedor. As carantonhas plásticas da velhice são exageradas e absolutamente pavorosas. Acho que o pessoal votou mais a pensar naquilo que pensou ver do que naquilo que, de facto, é dado a ver.
Melhor direcção artística
Donald Graham Burt, Victor J. Zolfo - ‘The Curious Case of Benjamin Button’. Errei. Kristi Zea, Debra Schutt , em ‘Revolutionary Road’ deviam ganhar. O low profile, e a década de 50, não dão óscares.
Melhores efeitos especiais
Eric Barba, Steve Preeg, Burt Dalton, Craig Barron - ‘The Curious Case of Benjamin Button’. Errei. Mas foi bem atribuído. Nick Davis, Chris Corbould, Tim Webber, Paul Franklin, em ‘The Dark Knight’ foi apenas um tiro ao calhas. A ver se dava.