Quarta-feira, 30 de Julho de 2008
As regras do Haikai

Sanshô dayû (o Intendente Sansho), de Kenji Mizoguchi. Dizer muito com pouco.

 

A Cris deixou-me, mais abaixo, um comentário muito interessante e decidiu bater-me por eu infringir as regras do Haikai. É verdade, infrinjo-as forte e feio. Não é preciso bater.

 

E isso, porque a minha relação com o Haikai é paradoxal. Por um lado, sou pouco zen (digo eu) e fujo como posso à concisão naturalista e efémera do género. Gosto, isso sim, da ideia de concisamente eternizar o momento com reflexões pessoais sobre o que há de sagrado numa imagem, num som, num cheiro, num instante passageiro dos sentidos. Os meus haikais nada têm de  filosofia oriental, mas resultam da transposição do género para um perspectiva católica eivada de heresia, muito própria dos ocidentais. Não consigo dissociar, de facto, religião de poesia. E é um facto, não sou budista.

 

Assim, fujo às regras que definem a pureza do Haikai e prefiro subverter o género, seguindo, por outro lado, um modelo ainda mais rígido e dogmático (católico, diria eu) que foi definido pelo poeta brasileiro Guilherme de Almeida. O que resulta disto pode não ser, de facto, um haikai. E não é.

 

Guilherme de Almeida infringia as regras não só no que diz respeito ao uso de rimas, como na atribuição de títulos aos seus poemas. Ao atribuir um título, está a fazer uma interpretação do mesmo. Está a fugir ao momento em si e a atribuir-lhe uma significação também ela religiosa. Exemplo:

 

Caridade

 

Desfolha-se a rosa

parece até que floresce

o chão cor-de-rosa.

 

Além do título, dá-se também à liberdade de fazer uma comparação a caminho da metáfora, o que também vai contra as regras puristas do haikai.

 

Reparemos agora no poema de Vasco Graça Moura proposto pela Cris:

alma de cântaro

uma tarde, no japão,
o paulo rocha explicou-me
as técnicas do haiku.

íamos dentro de um
autocarro a caminho
do cimo de um monte,

vendo a paisagem mais
ou menos azulada, sem dar
pelos solavancos.

sou mau aluno. faço
um exercício em casa,
sem contar muito as sílabas:

"no cântaro de barro
cresce a sardinheira:
alma em flor de cântaro?"

 

Para começar, Vasco Graça Moura usa o Haikai como unidade estrófica de um conjunto maior, o que também subverte o entendimento do que é um haikai. O haikai é-o isoladamente. Ao juntá-lo a outros, compondo um todo concertado, onde estes se sucedem de modo a contar uma história, o haikai é destruído, torna-se impuro porque faz parte de um encadear de momentos, quando deveria reflectir o momento em si, único e conciso. Por isso, Vasco Graça Moura está-se tanto nas tintas para as regras do haikai quanto eu.

 

Mas, tal como disse: eu mesmo tenho uma posição paradoxal quanto a isto: por um lado não quero saber das regras, porém, imponho outras. Porque a rima é um elemento de que não consigo prescindir quando me expresso através do verso. Os constrangimentos da forma poética: a métrica e a rima, ainda que possam parecer algo anacrónicos na poesia contemporânea são, para mim, o corpo material onde encarna a poesia - e da poesia portuguesa em particular.

 

Ao trazer para a língua portuguesa uma forma que nasceu para ser cultivada em língua japonesa já estamos a dessacralizar o género. Mais: estamos a profaná-lo. E é isso que tanto o Vasco Graça Moura, o Guilherme de Almeida e outros poetas de língua portuguesa fizeram. Sabem que o conceito é intransponível para a nossa língua.

 

Aquele dia

 

Borboleta anil

que um louro alfinete de ouro

espeta em Abril

 

Guilherme de Almeida, ainda: puro catolicismo com ressonâncias pascais. Aquele dia. Não é aquele momento. Naquele mês. E a rima nada trava. Antes, faz fluir as palavras que, sem rima, não teriam o mesmo valor ritual de sacrifício. Sacrifício da própria palavra, espetada com o louro alfinete de ouro de uma forma poética presa, morta, a pedir que seja ressuscitada ao ser recitada como as ingénuas orações que se ensinam às crianças.

 

Ó meu anjinho da guarda

Minha doce companhia

Acompanha os meus passinhos

Pela noite e pelo dia.

 

(inventei agora)

 

As estações estão presentes, tal como a Primavera no poema de Vasco Graça Moura que, contudo, não se inibe de ver uma alma num cântaro de barro. Nada pueril. Tal como neste, também de Guilherme de Almeida, de que muito gosto:

 

Consolo

A noite chorou

a bolha em que, sobre a folha,

o sol despertou.

 

(onde é que a rima trava alguma coisa?...)


Citando a Cris:


Um Haicai ou Haiku é um um momento muito íntimo, vivido até à última instância, sentido intensamente, por quem o escreve. Dizer muitíssimo em tão pouco.
Como li, e, vou voltar a citar, “De referir que, no Oriente, o conceito de união entre o homem e a natureza é diferente do ocidental: o homem também é a natureza, por isso, o conceito de união remete para aquele momento específico em que o homem reconhece essa natureza a que ele também pertence.”

 

Um momento muito íntimo. Certo. Dizer muitíssimo em tão pouco. Certo. E ainda mais acertada é a citação onde é dito que a relação entre Homem e Natureza é diferente no Oriente e no Ocidente. Enquanto que os orientais consideram que o homem também é natureza (o que está correctíssimo), os ocidentais, em que me incluo, são culturalmente constrangidos a ver na natureza o reflexo do homem e das suas obsessões. Por isso cultivamos as fábulas e vemos nas flores as chagas de Cristo. Os meus haikais, não o sendo, também aí subvertem o género ao adaptá-lo à forma de sentir ocidental. Faço-o de forma consciente. Não é preciso bater, que

 

A chuva que bate

Na poça da velha choça

Vai-se num rebate.

 

É assim.

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Terça-feira, 29 de Julho de 2008
Sabe mais que uma paramécia?

Busby Berkeley Dreams, dos Magnetic Fields: uma coisa bonita para compensar a prosaica questão que se segue.

 

Hoje mandei ao provedor da RTP a seguinte mensagem, depois de ter visto o programa "Sabe mais que um miúdo de 10 anos". A mensagem não diz tudo o que devia porque as mensagens ao provedor não podem ultrapassar este número de caracteres:

 

A respeito do programa "Sabe mais que..." de hoje:

Numa das perguntas, mal formulada, a concorrente respondeu de forma errada e continuou a jogar. Na segunda resposta, a concorrente respondeu correctamente e foi eliminada, tendo sido aceite a resposta errada dos miúdos! É simplesmente revoltante, e faz-me pensar se quem define as questões sabe minimamente o que está a fazer. Já vi neste programa situações ambíguas e perguntas mal formuladas, mas nunca uma situação destas, em que a concorrente deveria, para que se faça justiça, continuar o jogo no ponto onde ficou.

1: Perguntava-se "que nome se dá à raiz das plantas que é ramificada?" - ora, esta questão é absurda, além de ambígua: ou se interpreta como "das raízes de uma planta, qual é a que é ramificada?" (nesse caso, a resposta seria: a raiz principal - que é ramificada, e a partir da qual saem as raízes secundárias); ou se interpreta como "qual é o tipo de raiz que apresenta ramificações" (e aí, a resposta seria "raiz aprumada", que é o tipo de raiz constituída por uma principal, da qual saem as secundárias).  Seja como for, volto a dizer que estas duas interpretações da questão são meramente um exercício de boa vontade da minha parte, já que a questão é absurda, ilógica, ambígua e reveladora de uma abissal ignorância. Contudo, qual não é o meu espanto quando os meninos respondem, todos, "raiz fasciculada" - o que é manifestamente errado, já que uma raiz fasciculada é uma raiz composta por um feixe de raízes principais que, inclusive, até podem nem ser ramificadas! É inadmissível que este erro se mantenha sem explicação clara por parte do apresentador num dos próximos episódios, já que estamos a falar de conteúdos programáticos da escolaridade obrigatória e não de um assunto obscuro só para iniciados.

A segunda questão, então, é confrangedora: "como se designam duas rectas que se cruzam num ponto, não formando ângulos rectos?" (cito de memória). A concorrente respondeu, correctissimamente, "rectas oblíquas" e foi eliminada. Os alunos responderam mal e passaram por sabichões. Não explico mais porque só me restam 95 caracteres. Basta ir a um livro de matemática. Dos mais básicos.

Obrigado. Espero resposta.

 

Faltou dizer que, mais importante que os direitos da concorrente em questão, está o dever da televisão pública em não deseducar.

 

O que aconteceu no programa de hoje derivou apenas da forma  quase fraudulenta como o jogo é feito. Os concorrentes, depois de errarem as questões a que podem errar (se forem salvos pelos miúdos) têm de admitir publicamente que não sabem mais que um miúdo de 10 anos. Ora, esta senhora (a concorrente), ainda que não tenha tido uma prestação brilhante, respondeu bem a uma questão a que todos os miúdos responderam de forma errada. Os técnicos do programa, que provavelmente vão analisando as questões e as respostas dadas, devem ter duvidado da resposta que tinham à frente - é que para uma questão tão simples, não era de crer que aqueles meninos tão inteligentes errassem em conjunto e, ainda por cima, com a mesma resposta (algo a que qualquer professor está muito habituado)... e devem ter ficado em dúvida.  Entre a sua ignorância e a certeza ingénua das crianças, preferiram ir atrás das crianças. Desta vez falharam na sua estratégia de fraude que consiste em não mostrar as respostas das crianças quando estas erram em conjunto, que é para poderem humilhar o concorrente obrigando-o a dizer que não sabe mais que um miúdo de dez anos. E deu em curto-circuito - aliás, o apresentador, Jorge Gabriel, que deve saber um pouco mais de geometria que os sabichões que dirigem o programa e os sabichões de dez anos, "corrigiu" a senhora demonstrando uma visível confusão, e limitou-se, claramente, a cumprir ordens - se lá de cima dizem que um ovo é um espeto, quem é ele para argumentar? Ainda assim, esqueceu-se - propositadamente? - de pedir a humilhação pública à dita senhora... A concorrente saiu claramente incomodada, sabendo perfeitamente que estava certa, mas resignou-se. Não devia. Devia ter reclamado.

 

Na geometria euclidiana, num mesmo plano (o que se segue pode não ser verdade para outras geometrias que, seja como for, não fazem parte do currículo do ensino básico):

Duas rectas que se cruzam são rectas concorrentes.

Todas as rectas que não são paralelas são concorrentes.

As rectas concorrentes podem ser perpendiculares (se dividirem o plano em quatro ângulos rectos) ou oblíquas (em todos os outros casos).

 

Se a RTP não apresentar, em horário nobre, as devidas correcções, é porque, como boa aluna que é, está à frente das orientações do Ministério da Educação que já podemos adivinhar para um futuro próximo, de modo a aumentar o sucesso escolar a que todos os meninos e meninas supostamente têm direito:

 

se os alunos respondem todos (ou quase todos, já agora) com uma resposta errada alternativa ao que é geralmente aceite pela comunidade científica, o professor deve aceitar a resposta da maioria dos alunos e corrigir o manual, a enciclopédia ou qualquer outra fonte que os contradiga.

 

É tão bom ser-se criança em Portugal... a chatice é que quando forem adultos maiores de tamanho, ninguém os tratará como crianças de pleno direito que ainda serão.

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publicado por Manuel Anastácio às 23:34
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Domingo, 27 de Julho de 2008
Traduttore, traditore

Um Réquiem Alemão, Op. 45, 2.º andamento, Johannes Brahms, Filarmónica de Berlim, Coro da Rádio Sueca e Coro de Câmara Eric Ericson, sob a direcção de Claudio Abbado

Serviu o  meu último post para chegar à conclusão que sou mesmo um bicho papão. Só o António, a Gerana e a Cris me fizeram a vontade e cederam ao meu desejo de ser comentado. Gostaria de ter visto a caixa de comentários com alguns impropérios contra a minha versão do soneto, confesso. Tenho algumas saudades do tempo em que, na Wikipédia, recebia insultos anónimos a toda a hora. Era sinal de que aquilo que escrevia tocava os corações e mexia com os espíritos. Era uma altura em que recebia poemas populares dignos de um cantar ao desafio, como:

 

Sois administrador , Sois fascista
Sois um Reles Wikipedista
Pois lhe dirigo este poema,
Para que pense de uma vez por todas
Que a liberdade de opinião,
deva ser do povo de uma nação.

 

Mas da Wikipédia terei de falar mais tarde, ainda mais agora que, à medida que cada vez (e inevitavelmente) é mais lida - e cada vez de maior utilidade - paradoxalmente, parece, a olhos desavisados, apenas o extremo reduto do vício do copy-paste, da falta de seriedade intelectual e sinal de uma cultura moribunda. Mas isso fica para depois. Voltemos ao soneto.

 

Já aqui defendi que não há texto que seja mais traduzível que a poesia, ao contrário do que é dito por aí. Um pedaço de prosa objectiva, ao ser traduzido, impregna-se de interpretação, de lacunas e de referências que deixam de fazer sentido com a transposição para outro código linguístico. A objectividade é, então, radicalmente traída pela subjectividade do tradutor e pela própria matéria linguística que, por mais parecenças que tenha com a matéria original, conforma todo um outro texto.

 

O problema já não se põe com a poesia. O poema original é sempre o menos interessante do fenómeno poético. A poesia não reside, de facto, no poema, mas no(s) leitor(es). E quantas mais leituras se interpõem entre o poema e o destinatário do poema, mais o poema vive, ao ramificar-se em matéria linguística viva. Reparem nos poemas mais conhecidos de Camões, estudados, dissecados até à mais seca exaustão por gerações de estudantes que de tudo só pareciam ganhar vontade de vazar o segundo olho ao poeta. São grandes poemas por que razão? Apenas porque são de inegável qualidade literária? Porque evocam verdades profundas e intemporais? Se assim fosse, seriam apenas bons poemas - não "grandes poemas". Um poema torna-se grande quando é continuamente interpretado, traduzido, transfigurado, corrompido, parodiado, manipulado. Torna-se grande quando, mais que lido, é usado. Torna-se grande quando prova o seu poder de gerar novos textos ou, mais adequadamente, novos contextos. Quando é lido em voz alta, e o leitor salpica a leitura com gralhas; quando é decorado e a memória altera a construção das frases para algo mais íntimo e pessoal; quando é transformado em canção, num quadro... quando não desemboca num beco sem saída.

 

Sinto que Vasco Graça Moura compartilha comigo esta percepção do fenómeno poético, pelo menos na prática. O "Poème sur le désastre de Lisbonne ou examen de cet axiome: "tout est bien" de Voltaire, citado pelo António nos comentários do último artigo, ou a "Divina Comédia" de Dante deixam de ser de Voltaire e de Dante a partir do momento em que são traduzidos por Vasco Graça Moura, porque Vasco Graça Moura não procura, de modo algum, a fidelidade ao texto original, mas procura registar a febre de que é tomado ao ler o texto original, dando largas à fantasia de ser o autor daquela obra. Quem não sonhou já com a clássica situação do nosso eu vindo do futuro com a grande obra literária da década que se aproxima, bastando-nos a nós plagiar confortavelmente o que o nosso parco cérebro não consegue conceber? Vasco Graça Moura não se limita a "plagiar", até porque o plágio, neste caso, seria uma tarefa incomportável para uma só vida. VGM reescreve e impregna as traduções com a sua interpretação, mas de forma franca e clara. A partir do momento em que considera que os sonetos de Shakespeare são manifestações expressivas da bissexualidade do autor, VGM põe William (é esse o Will do penúltimo verso, ainda que, como a Gerana tenha apontado, o diminutivo de William seja Bill, e creio que já o fosse à época), a dirigir-se a um senhor de quem é escravo. E achei interessante que ninguém focasse este ponto: o poema de Shakespeare é ambíguo quanto à sexualidade do eu poético - VGM torna-o um poema assumidamente homossexual. Não critico essa opção. É uma leitura que apenas torna maior o poema de Shakespeare, enquanto que a minha versão, mais discreta, mantém a ambiguidade original. Eu tento não acrescentar nada ao poema - VGM acrescenta. Eu tento manter abertas as possibilidades expressivas do poema; VGM restringe o poema a um quadro específico, a uma situação que exclui todas as outras possibilidades. No fundo, não são duas versões do mesmo poema, mas dois ramos que nascem do mesmo tronco, dispondo-se em orientações opostas. Não é possível traduzir  poesia de outro modo.

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publicado por Manuel Anastácio às 23:40
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Quinta-feira, 24 de Julho de 2008
Soneto 57 (William Shakespeare)

Sonnet 57, de Chris Devany

 

Em primeiro lugar, quem sou eu para traduzir Shakespeare? Ninguém, é certo.

Em segundo lugar, quem sou eu para me comparar a Vasco Graça Moura? Ninguém, é certo. Devo referir, aliás, que muito respeito este poeta português, ainda que mais pela poesia de sua própria lavra que pelas suas versões/traduções dos clássicos.

 

Finalmente, pedia (imploro mesmo) que comentem as duas versões em português que abaixo apresento do mesmo soneto de Shakespeare. Quando falo de comentar, não estou a pedir que me afaguem o ego (se é que seria merecedor de isso) mas que digam qualquer coisa. Nem que seja a manifestação da vossa indiferença. Notem que a tradução literal do soneto não é difícil - o único problema, técnico, consiste em manter a forma de soneto.

 

Não vou comentar nem as minhas opções nem as de Vasco Graça Moura. Mas gostaria muito de ouvir, desta vez, algum comentário. Sei que tirando raras excepções, os poucos leitores fiéis que tenho abstêm-se de me comentar (eu sou um bicho papão), mas neste artigo gostava mesmo de ouvir a vossa opinião.

 

 

Being your slave what should I do but tend,
Upon the hours, and times of your desire?
I have no precious time at all to spend;
Nor services to do, till you require.


Nor dare I chide the world-without-end hour,
Whilst I, my sovereign, watch the clock for you,
Nor think the bitterness of absence sour,
When you have bid your servant once adieu;


Nor dare I question with my jealous thought
Where you may be, or your affairs suppose,
But, like a sad slave, stay and think of nought
Save, where you are, how happy you make those.

So true a fool is love, that in your will,

Though you do anything, he thinks no ill.

 

(versão original em inglês de William Shakespeare)

 

 

  

Sendo-te escravo, que farei senão

cuidar-te a tempo e horas do desejo?

Não tenho ao tempo cara ocupação,

Nem, sem que o peças, de servir ensejo.

 

E não censuro a hora sem ter fim

Em que as horas por ti, senhor, vigio,

Nem penso a atroz ausência, amargo-a sim,

Porque a teu servo deste um adeus frio.

 

Nem ouso questionar em meu ciúme

Onde possas estar e o que é que fazes:

Um triste escravo nada mais presume

Salvo onde estás, que a sorte a outrem trazes.

 

Tão louco é amor que quer no teu Will

(haja o que houver) nada pensar de vil.

 

(versão de Vasco Graça Moura)

 

 

 

Teu escravo, que mais poderei fazer

Que sempre responder ao teu desejo?

Nada me custa o tempo despender,

Nem eu livre do teu querer me vejo.

 

Nem maldigo o não-acabar dest' hora

Em que eu, a vós submisso, o tempo meço

Nem remoo na amarga demora

Por vosso adeus causada, em que me empeço.

 

Nem pergunto, no meu ciúme imenso

Pelo que te ocupa nem onde estás.

Assim, quieto escravo, em nada penso

Mais que na alegria que a outros dás.

 

Louco o amor, seja a tua vontade

Como for, nunca a terei por maldade.

 

(versão de Manuel Anastácio)

publicado por Manuel Anastácio às 11:48
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Segunda-feira, 21 de Julho de 2008
Magnólias brancas e dois haikai

 

Bachianas Brasileiras, de Heitor Villa-Lobos, por Hayley Westenra.

 

Vai avançada a altura das magnólias brancas. Tem o meu sogro uma destas árvores de cor verde escura lustrosa que dá apenas uma flor por ano. E, ao que parece, oferece o resplendor branco da flor apenas por um dia. Uma noite passada e já as folhas esmorecem com cor de ferrugem. Nunca vi a flor dessa árvore, floresce sempre um dia antes de lá ir, mas pelo simples facto de ser única e durar apenas um dia, quando olho para essa árvore, julgo que nela mora uma fénix, invisível ao meu olhar, mas que, sem dúvida alguma, lá permanece. Em contrapartida, em Guimarães há muitas destas magnólias brancas, como estas que fotografei no parque da cidade, há uma semana atrás.

 

 

I.

Na concavidade

Clara de tépala rara,

Voluptuosidade.

 

II.

Vai ao branco a Obra

Da luz sobre os braços nus

Do dia que dobra.

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publicado por Manuel Anastácio às 21:02
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