Domingo, 16 de Março de 2008
De luto por um país que nunca foi nem quer ser

Acácias em Briteiros, Guimarães. Ou como o nada tudo devora e até se parece com alguma coisa. Foto minha. Todos os direitos reservados. Não abro a mão das misérias que me restam.


Era uma vez um país à beira de ser engolido no vazio. Esse país sempre vivera à beira desse vazio e habituara-se aos buracos que iam engolindo cada pedaço de alguma coisa que quisesse aparecer. Esses buracos eram, aliás, feitos pelos próprios habitantes do país, que julgavam que ao semear buracos de vazio, colhiam promessas messiânicas de um lugar no futuro de alguma coisa mundial. Todos aqueles que traziam alguma coisa nas mãos ou nas cabeças, para além de buracos de nada, eram obrigados a despejar essa alguma coisa no desaparecimento, quando não eram, simplesmente, para lá empurrados, perante multidões sorridentes e crentes. De vez em quando, vinham revoluções em que se prometiam coisas. Mas só vinha o nada. Numa dessas revoluções, em que o vermelho das flores parecia ser alguma coisa, e em que o vento da poesia parecia querer varrer o nada das ruas, os habitantes, cheios de coisas que é impossível nomear, gritaram, cantaram, e semearam sonhos. Quase parecia que os partilhavam. Mas não. Era, de novo, o nada a trabalhar. Era um nada a que quiseram dar o nome de liberdade, enquanto tudo se contaminava de um outro nada a que queriam dar o nome de socialismo. Mas tudo era nada, nem uma coisa só. Primeiro, quiseram destruir um buraco de nada chamado autoridade. E aqueles contaminados pelas corrosivas emanações daquele nada chamado socialismo, quiseram humilhar aqueles que envergavam os ceptros e ceptrozinhos da coisa nenhuma. Um tipo particular de ceptrozinhos, as palmatórias, era venerado como um direito consignado na constituição do nada, escrita à base de coisas que pretendiam ser coisas, mas que falhavam na sua afirmação de coisa por pretenderem em vez de serem. E os funcionários que envergavam esses ceptrozinhos, às vezes a contragosto, e que até queriam abraçar os troncos das coisas que nasciam por entre as pedras passaram a ser perseguidos pelas coisas nenhumas que, raivosas, queriam pagar o nada com o nada. As coisas nenhumas gostavam de mostrar as mãos fechadas, sem nada, para se afirmarem contra as coisas nenhumas de antes da revolução que abriam as mãos com a palma virada para o chão, também sem nada. Mudava apenas a disposição dos dedos. O nada das coisas que se chamavam de socialistas oscilava entre as promessas do alguma coisa com a lúcida e corajosa força do nada que, no fundo, era o espírito que movia todo o país. Os funcionários das palmatórias, agora encarregados de semear alguma coisa nas mãos fechadas dos socialistas e nas mãos abertas dos fascistas, só conseguiam desperdiçar sementes. Nascidos do nada, desesperavam na sua tentativa de fazer coisas, quando viam apenas alastrar cada vez mais o coisa nenhuma. Até que as mãos fechadas começaram a esmurrar aqueles pobres pedaços de nada com que se enganava os olhos vazios da populaça, enquanto que as mãos abertas fingiam, através da lisonja, acariciar-lhes o rosto. As mãos trementes dos pobres funcionários, tão habituados ao nada, começaram a tremer tanto que todas as sementes de alguma coisa caíam directas na boca voraz  de um monstro que rasgava o chão, vindo do abismo do nada sem fundo. E esse monstro, cavalgado por uma prostituta chamada Socialista, a Grande, que vinha de mãos abertas, viradas para o chão, devorava aqueles que alguma coisa faziam germinar, enquanto que recompensava de entre os que mais sementes desperdiçavam, a aleatoridade com que a morte engole a vida.

publicado por Manuel Anastácio às 03:39
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