Sexta-feira, 7 de Setembro de 2007
Enciclopédia Pessoal: Silêncio
Verranno a te sull'aure, da Lucia de Lamermoor, com Joan Sutherland como Lucia e um irreconhecível Luciano Pavarotti como Edgardo, Gala Bing 72

Deixei as férias para descansar a pena de perdigão com que risco os rascunhos das únicas palavras que são minhas. Apenas apareci por conta da Wikipédia e fui acumulando textos que provavelmente nunca escreverei e que apenas ouvirei eu, quando nada mais houver para ouvir. Porque creio que nisso se resume a vida no Além: em palavras que só um ouve. Há quem lhe chame silêncio. Por isso, a tão forte atracção que esta palavra tem entre os poetas, todos os poetas, desde os grandes aos medíocres.  O silêncio que desceu irremediavelmente sobre a voz de Pavarotti está cheio de risos e palavras que nunca ouviremos. Da mesma forma, o silêncio abrupto que calou Jerry Hadley, há coisa de dois meses mostra bem como tão mal sabemos lidar com esta palavra. Está certo que Hadley não era Pavarotti, não chegava às pessoas como Pavarotti, era apenas um cantor de ópera que não mereceu destaque nas parangonas dos jornais quando decidiu pelas suas mãos voltar ao silêncio. Não houve mulheres da limpeza, de manhã, a informar os patrões de que  "O Hadley suicidou-se" - de facto, é mais duro e sádico que dizer apenas "O Pavarotti morreu" - e tanto as mulheres da limpeza como os patrões gostam mais de notícias duras e sádicas que de mortes esperadas com serenidade. Mas enfim. Não somos todos iguais na morte. Nem nas palavras que nunca ouviremos.


Jerry Hadley, com June Anderson e Coro, cantando "Make Our Garden Grow", de "Candide", conduzido pelo próprio compositor, Leonard Bernstein, a 13 de Dezembro de 1989.
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publicado por Manuel Anastácio às 17:10
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