Sábado, 30 de Setembro de 2006
Buscas pedidas: foto do escritor wilhelm meisters lehrjahre
Retrato de Goethe na Campânia, em 1787, por Johann Heinrich Wilhelm Tischbein (1751 - 1829)
Sei que é maldade troçar da ignorância dos outros, principalmente quando ignorância é algo que não nos falta. Mas confesso que tenho, por vezes, o pouco edificante hábito de me rir com os disparates dos outros. É impossível, quando estou a corrigir um teste, não me rir com a existência de vida na "Drodisfera" ou quando fico a saber que "o sangue venoso é mais venenoso que o sangue arterial". Lembro-me de um aluno que indicava como uma das razões para as invasões francesas, o facto de "o Cavaco Silva ter comido as ovelhas todas". Ou aquele que, depois de ter consultado o dicionário Português - Inglês, escreveu "I like
spoon flowers" (querendo dizer "gosto de
colher flores") ou "My sister
flame Mary" ("A minha irmã
chama-se Maria") ou, ainda, aquele que disse que os gâmetas masculinos eram os espera tomate zóides. Sei que é feio rir dessas coisas. Da mesma forma, alguém procurou, por estas bandas, pela foto do escritor Wilhelm Meisters Lehrjahre. Que não me acusem apenas de registar o disparate: não houve qualquer escritor com este nome, mas um romance (
Bildungsroman ou "romance de formação"), de
Johann Wolfgang von Goethe , cuja tradução para português é "Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister" (publicação em Portugal, em três volumes, pela "Relógio d'água", com tradução de Paulo Osório de Castro). É nesse romance que aparece um poema que me é particularmente caro e que traduzi há já algum tempo,
"O país dos limoeiros". Não é possível, portanto, apresentar qualquer retrato (menos ainda, foto) de Wilhelm Meister, mas fica, ali em cima, a do autor.
Quinta-feira, 28 de Setembro de 2006
Buscas pedidas: "cordel dividido em silabas metricas"
Figo, chocolate e pérolas. Manuel Anastácio (1975 - )Terço de sisal,
Com nós em espaços de voz,
Livrai-nos do mal.
Nota: o meu primeiro haikai, inspirado no leitor que aqui procurou por um cordel dividido em sílabas métricas.
Quarta-feira, 27 de Setembro de 2006
Pormenores: Suásticas castrejas da Citânia de Briteiros
Suástica espiraliforme de braços curvos (Citânia de Briteiros) - Foto da Sociedade Martins Sarmento
Um dos motivos mais recorrentes da história da arte e do misticismo universal - a suástica - é frequente, entre as ruínas da Citânia de Briteiros, nesta forma facilmente associada a vórtices, moinhos e remoinhos. É uma forma dinâmica, associada tanto a fluidos líquidos como gasosos. Aqui, aparece associada ao círculo, símbolo de perfeição e do disco solar. A pedra formosa defronte aos "banhos", no fundo da citânia (fotografia seguinte), está singelamente decorada com algumas destas figuras e algumas casas utilizá-la-iam como amuleto de protecção, gravadas na superfície inferior de algumas lajes de pavimentação (fora, portanto, da vista).
Quem procura a função das pedras formosas por livros encontrará, quase sempre, a explicação de que serviam de fachada a pequenas construções que não seriam mais que fornos crematórios. Diz o Saramago na sua Viagem a Portugal, sobre a Pedra Formosa, que "de tão formosa que é, merecia ter servido a [porta de] forno de pão". Até a Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira, edição século XXI, não fez a devida actualização do verbete e continua a propor tal funérea função. Interessante tese que está, hoje em dia, praticamente posta de lado: por onde se enfiavam os cadáveres? Pelo tecto? Servia a pequena portinhola, debaixo da pedra, para retirar os restos mortais? Duvidamos todos, hoje em dia. Algo de forno teria, com certeza. Existe uma pequena câmara (debaixo de lajes ajustadas) com ligação a um forno. Daí vem a tese de maior aceitação, ainda que não escape a algumas perplexidades. Hoje, estas estruturas também designadas como "saunas castrejas" ou "monumentos com forno", são consideradas como local iniciático associado aos banhos e rituais de purificação - o que encaixa na minha interpretação das suásticas como representações dos elementos fluidos. Quando me disseram que o orifício da base serviria para a passagem dos corpos dos aspirantes à élite (apenas constituída por pessoas magrinhas1), num ritual de constrangimento físico, não quis acreditar. Parecia-me parvo de mais imaginar gente a enfiar-se em buraco tão minúsculo, como cobras. Mas, tal como a água que se escoa por um buraco ou o vapor que se desprende de seixos incandescentes, seria, provavelmente, necessário que o corpo se contorcesse por entre a pedra - como um camelo a passar no cu de uma agulha - para aceder ao Reino dos Céus (ou dos Infernos - provavelmente, para eles, pouca diferença faria).
Nota: Lembrei-me de falar disto por causa, imaginem, das suásticas espiraladas azuis fluorescentes que passeiam pelo chão do "Um Contra Todos", no Canal 1... Não sei quem concebeu o espaço nem a iluminação deste concurso de televisão, mas parece-me haver, por ali, brincadeira mística pelo meio.
1. Aliás, como os faquires, que também apresentam uma certa apetência por suásticas curvas.
Terça-feira, 26 de Setembro de 2006
O centro de Portugal
Centro geodésico de Portugal. Milriça, Vila de Rei Quando tirei esta fotografia ao fálico obelisco da Milriça, ainda não conhecia a citação que alguém, pouco amigo daquele solo, decidiu colocar no artigo da Wikipédia sobre o concelho:Aquilo Vila de Rei é uma terra de 'pês', só deu padres e pedras, pinheiros e polícias. E sobretudo transpira subserviência (...)É eu não gostar das raízes que tenho. Nunca gostei. Tudo o que me cheira à Beira Baixa, àquela Beira é pior que...(...) Para mim tudo o que vem dali é mau (...) - José Cardoso Pires, natural de Vila de Rei, entrevista com Fernando Assis Pacheco, Jornal de Letras, Artes e Ideias, 3 de Março de 1981, republicada ibidem 24 de Janeiro de 1999.
A citação não é, de modo algum, enciclopédica, e já está a tardar que alguma alma caridosa tenha a coragem de a retirar do artigo. Mas não deixa de ser uma opinião válida.
O meu quarto de infância dava para os montes para os lados de Vila de Rei. Para mim, eram montes azulados sem nada nem ninguém. Nem com os binóculos que o meu pai trouxe da Arábia Saudita conseguia ver coisa de jeito. De facto, só recentemente visitei o centro geodésico e, com os caminhos ladeados de carvão, pouco mais há que pedras e silêncio. É um deserto que repele quem lá nasce e que vomita quem lá quis pousar.
Não é terra prometida para ninguém.
Resta o obelisco, num perfil Kubrickiano. Dispensando macacos ou homens na base. Bastam as pedras. Porque à volta, nem padres, nem polícias. E muito menos pinheiros...
Artigos da mesma série: notas
Moradas do Castelo Interior
Êxtase de santa Cecília, de Bernardo Cavallino (1645) Sentou-se num dos lugares ao fundo. O silêncio era aterrador. Os passageiros, envoltos na sua bolha de privacidade, fixavam um ponto no infinito, a cinco centímetros do nariz, como nos elevadores. Uns levantavam e baixavam rápida e ritmadamente a cabeça, como antigos gifs animados ou imagens de um remoto cinetoscópio cíclico. Estes eram, em geral, jovens com acne. A ciência podida ter inventado a música incorporada geneticamente ao aparelho auditivo, mas a acne tornara-se, idubitavelmente, um efeito secundário da tecnologia fisiológica e da produção alimentar. A velhota ao lado, por sua vez, balançava a cabeça em movimentos amplos e irregulares, evoluindo entre o vagaroso e o rápido. Ouvia, com certeza, música erudita. E pensou porque é que, praticamente, só os velhotes ouviam música erudita... Será que, desaparecendo as borbulhas, desenvolvia-se o gosto musical para paragens mais complexas e exigentes?... Na... A velhota devia estar a ouvir pela décima milésima vez o Nessum Dorma...
Ele bem que podia ser o único a ser surdo a nível informático. Os seus tímpanos tinham uma deformação qualquer que não permitiam a decodificação da música a nível interno, como quase toda a gente. Era uma ave rara. Só ouvia música graças a uns aparelhecos de museu que um tio conseguiu pôr a funcionar sabe-se lá como... Mas, ao menos, era o único a compreender, na sua classe de literatura antiga, aquela longa passagem de "A Montanha Mágica", onde Hans Castorp se deixa anestesiar pela audição de uma ou duas passagens da Carmen de Bizet. Quando a música enlatada ainda trazia peso e alteridade. Agora, a música estava em cada um. Ninguém compartilhava, nem criticava, nem deitava a baixo. Só espaço e silêncio. O barulho refugiara-se em cada um. Mas não era mau. A música tornara-se, finalmente, íntima e pessoal. E, ao fim e ao cabo, não era assim tão mau o silêncio.
Foi o único a fechar um livro antes de transpor a linha amarela, ao chegar ao seu destino