Domingo, 12 de Dezembro de 2004
Primavera tardia
Enquanto preparo a tradução poética da Dafné de Nerval, e enquanto os plátanos do jardim em frente se desmancham na chuva dourada que fecunda a estrada aberta na sua inocência invernal, viro a minha atenção para a primavera italiana dos “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister “. E imagino a pequena Mignon a dançar sobre ovos sem os partir – como os monges descalços do monastério de São Brabo sobre o soalho rangente das cidades imaginárias… E sinto que as estações do ano acontecem apenas porque a natureza tem nostalgia de si mesma...

 

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publicado por Manuel Anastácio às 19:34
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Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2004
Suicídio nas águas

  Ofélia, de John Everett Millais

Nas águas onde Ofélia flutua

E Virgínia desce,

Anju avança, a caminho da plácida anulação da dor.

Onde as flores se despedaçam lentamente

Em pétalas manchadas de limo verde,

Ofélia flutua e Virgínia desce.

Anju avança entre as ervas altas coroadas de neve e algodão.

Onde um barco vacila,

Encalhado nos cabelos das fadas,

Que todos os dias morrem

Pela descrença,

Dois amantes baloiçam sobre o espelho baço do nevoeiro

E descobrem no abraço da morte

Que o rio apenas dissolve as mágoas

Nas lágrimas da própria Terra…

Ofélia flutua

Como mais uma flor arrancada à terra

E sem outras raízes que não o ventre esquecido de sua mãe.

Virgínia desce

E ancora no lodo das vozes.

Anju avança

Ofélia flutua

Virgínia desce

No ventre esquecido das mães que nunca foram.

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publicado por Manuel Anastácio às 19:39
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