Segunda-feira, 27 de Setembro de 2004
Parar a Morte

O Cavaleiro e a Morte - Durer

Porque não pude parar a Morte
Ela, gentilmente, parou para mim.
(Emily Dickinson)

 

 

A leve e alegre carruagem da morte
Dá pinotes ao meio dia...
Nem um negrume, nem triste sorte:
Apenas sol e calmaria.

 

A leve e alegre carruagem da sepultura
vem forrada de cetins
e ornada de querubins
dourados em moldura...


Pouco interessa o desdém,
Também,
De quem a vê passar.
A alegre carruagem
Da derradeira viagem,
Agora mesmo, está a parar.

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publicado por Manuel Anastácio às 04:51
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Sábado, 25 de Setembro de 2004
Música clássica e mofo

                                      picasso-Violin-and-Guitar.jpg

Será que é verdade? A música clássica é séria? Cheira a mofo? Há um tipo - daqueles que tentam desesperadamente fazer "stand-up comedy" em Portugal (e, por incrível que pareça, até têm sucesso) que foi contratado para fazer um anúncio ao Jumbo - uma cadeia de supermercados. Como o tipo é supostamente engraçado, puseram-no a fazer um anúncio sério. E... a sério: o anúncio é seriamente uma porcaria... Mas isso não me faria mossa se não decidissem escolher como local "sério" um concerto de música clássica. Será porque não se deve fazer barulho durante a audição de um concerto de música clássica? Meus caros: isso não tem a ver com a seriedade da música mas com o apreço de quem a ouve - quem ouve música clássica gosta de usufruí-la na sua plenitude. Quem vai ouvir música clássica vai pela música - felizmente já lá vai o tempo em que se ia a concertos de música clássica por snobismo - snob é essa atitude retrógrada e analfabeta de considerar que uma das coisas mais belas alguma vez criadas pelo ser humano - a música pura - é séria, chata, elitista... Tenham vergonha, critiquem à vontade mas não me aborreçam com preconceitos que já deviam estar enterrados na arrogância de alguns que pensam que são mais que os outros por não serem intelectuais (e desde já digo: a música clássica não é para intelectuais nem para velhotes - é para seres humanos que prezam a beleza)...

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publicado por Manuel Anastácio às 19:03
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Terça-feira, 7 de Setembro de 2004
O Quarto Fechado
  Eco e Narciso; John William Waterhouse, 1903

Existe um filme de Fritz Lang, que em português (e em Portugal - desconheço o nome que recebeu no Brasil) se chama “O Segredo da Porta Fechada” (“The Secret beyond the door”). A protagonista, antes de se casar com um homem perfeito (que acaba por ser um assassino tresloucado que será redimido pelo amor dela, que levará ao deslindamento da razão psicanalítica das taras do marido – como no filme Marnie, de Hitchcock), sonha com narcisos – a flor que se vira sobre si mesma, alheia ao mundo e votada ao suícidio… Não creio que Paul Auster se tenha inspirado minimamente neste filme de Lang mas, quando li pela primeira vez o nome do último volume da sua “Trilogia de Nova Iorque” lembrei-me da imagem da actriz principal, vestida de branco, encostada a uma porta branca (num filme a preto e branco), olhando para os dois lados do corredor, pronta para descobrir o que se encontra atrás daquela porta terrível e misteriosa onde se esconde o seu próprio destino. Lembrei-me, curiosamente, também de uma telenovela brasileira (uma telenovela cinéfila, onde o argumento e a forma de filmar se inspiram directamente nos filmes clássicos, que se chamava a “A Sucessora”). Lembro-me como as pessoas acompanhavam cada episódio desta novela e como ficavam angustiadas (de uma forma hitchcockiana – até ao limite do suspense que se prolongava de episódio para episódio) sempre que a “Sucessora” (plagiada da “Rebecca” de Daphné du Maurier, também adaptado ao cinema por Hitchcock), se encontrava a ponto de ter na sua posse uma chave com a qual poderia abrir a porta onde todo um passado e todos os desejos se encontravam. Lembro-me da minha mãe quase a gritar para a televisão: “a chave! Está aí ao pé de ti, sua tonta!”… Lembro-me dos vizinhos (que não tinham televisão e iam ver a novela lá a casa dos meus pais) a engolir em seco e a especular sobre o que se encontrava no fatídico quarto…

 Neste livro há também um quarto fechado. Em princípio sabemos o que lá está – uma pessoa que não se quer mostrar, devorada pela auto-aniquilação, como os narcisos… Ou como o Narciso da mitologia grega: o Narciso que se apaixonou pela sua própria imagem e que transforma o amor que os outros lhe votam em destruição… Mas, depois de lermos “A Cidade de Vidro” e “Fantasmas” (supostamente escritos pelo protagonista deste último romance) quem acredita que exista algo do outro lado? Não seremos nós mesmos? A nossa voz, o nosso Eco apaixonado pelos fantasmas que queremos matar como única forma de libertação? E,tal como Freud, voltamos aos mitos gregos – aquelas historinhas engraçadas, sem pés nem cabeça, onde todas as nossas histórias se encaixam… Quem tem complexo de Édipo? E de Narciso? E de Eco? E de Jocasta?... Mas, acima de tudo, quem é que não tem complexo de Minotauro? Não seremos todos monstrinhos num labirinto à espera de um inimigo mais nobre e belo que nós, a que por ódio, chamamos Morte?...

 

Post-scriptum: um leitor (ou uma leitora) do blog chamou-me a atenção para um lamentável engano (ignorância, diria eu) da minha parte, neste artigo: A Rebecca de Daphné du Maurier é que é, claramente, o plágio de um clássico brasileiro (publicado quatro anos antes de Rebecca) de Carolina Nabuco (e que deu origem à telenovela referida). Peço as minhas mais sinceras desculpas à literatura brasileira que, com certeza, não se resume a Machado de Assis e Jorge Amado (e, já agora, Paulo Coelho)...

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publicado por Manuel Anastácio às 23:55
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Quinta-feira, 2 de Setembro de 2004
Fantasmas

                       ryb.jpg

Figura: Piet Mondrian (Composition in Red, Yellow, and Blue)

Passadas as férias, passadas as ondas, e um verão encoberto e ventoso, volto a Paul Auster - ao segundo volume da sua trilogia de Nova Iorque - Fantasmas...

Um livro nascido de livros, é um poema em forma de narrativa sobre a escrita e os escritores, porque, diz-se, os escritores não têm vida própria - mesmo quando existem, não existem realmente - são fantasmas.


Seguindo os passos do primeiro volume, as personagens que, aqui, aparecem escondidas sob o nome de cores - Blue, Brown, Black, White, Grey recontam, sob uma alegoria sobre a solidão (a solidão do escritor, talvez), outras alegorias que trespassam a malha narrativa típica de Auster - as pequenas histórias e anedotas (como a do cérebro de Whitman) que também aparecem nos seus filmes (como "Fumo" e "Fumo Azul").


Depois, há as referências ao primeiro romance, de que já falei. O leitor perde-se num labirinto de repetições de situações, obsessões que constroem um efeito de déjà-vu surpreendente.

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publicado por Manuel Anastácio às 00:08
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