Domingo, 23 de Janeiro de 2011
6 graus de separação

Para o Silvério Salgueiro

 

Eu conheço A

Que falou com B

Que encontrou C

Que confidenciou a D

O que nunca diria a E

Que ama secretamente F

E entre eu e F

Está a distância entre a erva e o magarefe.

Diz a teoria dos grafos que os agrafos que nos prendem,

Pontos humanos que se estendem sob a constelação dos mortos,

São apenas seis. Seis apertos de agrafador

Dados pelas Parcas nos tempos livres, quando deixam a tesoura e o dobador,

Ligando a distância entre o sonho e a sua realização,

Quando, morto, não tiver a satisfação

De ver morta a minha política desilusão substituída por outra melhor.

Ou pior.

Dizem que são seis os graus de separação

Entre eu e um esquimó.

Entre o estrume e a mó.

Estrume

Decomposição

Absorção radicular

Fotossíntese

Amido na Eira a secar

Depois da colheita, espiga desfeita, azenha, alcatruzes,

Serapilheira.

Mas não.

Nem seis nem quantos quisermos, conforme quisermos.

Há só um a separar-nos nos ermos da expiação dos pecados que não fizemos.

Um só grau de separação.

O que nos separa de nós mesmos

Por intermédio dos outros.

Entre eu e o Silvério Salgueiro, nada nos deveria separar.

Nem o Cerro antes ou depois da Eira, conforme a carreira, nem o Outeiro,

O Fundo da Estrada ou caminho pela casa da Ti Maria Zé de Berto.

Esteve sempre fechado o caminho aberto

Quando o meu pai, Silvério,

A sério, ele também,

Com ele foi compartilhado pelo mesmo padrinho.

Mas entre o Silvério e eu, qualquer que fosse o caminho, nada mais nos separava que  o Vale da Carreira,

A outra banda, o Cerro

E uma ribeira que fica seca no Verão.

Quantas vezes o terei visto no Outeiro,

Onde o fascista do meu primo Batata escreveu no armazém do Adelino

“Vota Cavco”

Na Portela e nas festas de Carvalhal, pela Senhora da Assunção… Ou outra por ela.

Talvez fosse ele quem, distraído, me passou a mão pelo cabelo

Depois de se zangar com a namorada

Junto ao Dancing, enquanto o Salamanca vendia bolos

Em forma de ferradura.

Ou talvez não. E entre essa pessoa que não sei quem era

E o Silvério Salgueiro

Haja mais que a fechadura de seis voltas, que as chaminés

Feitas pelos mestres Salgueiro abriu.

Chaminés com a rosa dos ventos,

Como que suspirando adventos, natais e outros momentos

De geográfica inspiração. De escarpas e abismos de difícil orientação.

Seis graus podem ser três degraus

Três

De perfeita e trinitária união.

publicado por Manuel Anastácio às 01:30
link do post | Adicionar aos favoritos
De glaucia lemos a 23 de Janeiro de 2011 às 12:16
Os grandes poemas, Manuel, como muitos outros grandes textos, de ordinário guardam grandes ir revelações . Não é difícil null caso presente, as intercaladas reforçam o pensamento inicial com toda a poesia que realiza a vida do poema, levando-o a pulsar realmente vivo. A mensagem está guardada no âmago do que se pretende./Quando se lê Saramago, só para citar alguém próximo no espaço e no tempo, conhece-se a história de João Meio-tempo , Manuel Espada, de Blimunda , dos cegos anónimos , e tantos mais, no entanto, o discurso ideológico sobre paira a tudo isso. Por isso, o que anda por trás dos graus e degraus do " 6 graus de separação " só o poeta sabe. Que só um grau nos separa do que somos obrigados a ser e o que verdadeiramente somos, isto sentimos todos nós próprios perante "os outros".Porque eles existem, nós, nos tornamos figuras aparentes, infiéis a nós mesmos. ( A este respeito, uma amiga gentilmente pôs um null no meu mural para o artigo "Da indignidade do pouco" com uma foto da autora ao lado. Quando A Tarde o publicou em Julho pp. , uma das filha ligou: " minha mãe, a senhora não vive assim" claro, mas é o meu pensamento. A literatura nos dá o direito de sermos hiperbólicos e eu usei deste direito, mas toda hipérbole contém em si a dimensão exacta do que se quer. Ele diz desse direito de nos exercermos .) O que fica a entender na sua memorável página, é o final com os três degraus irrevelados, que um leitor mais místico poderia atribuir, forçando um pouco, à Santíssima Trindade. Mas não tem direito o leitor de interpretá-los. Faz parte da sagrada ir revelação que afinal se guarda na maioria dos grandes textos literários. Mas poesia não precisa de ser interpretada. Já é privilégio do leitor usufruir do que ela concede à sua sensibilidade. Os três degraus, sabe o autor que eles existem. Nós, meros mortais cegos da alma humana, não temos direito.
Comentar:
De
  (moderado)
Nome

Url

Email

Guardar Dados?

Este Blog tem comentários moderados

(moderado)
Ainda não tem um Blog no SAPO? Crie já um. É grátis.

Comentário

Máximo de 4300 caracteres



Copiar caracteres

 



O dono deste Blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.
.pesquisar