Hoje, vi um homem a chorar por causa de um carvalho que está a morrer. Basta-me isso para acreditar. No quê? Será preciso dizer?
Não levei máquina fotográfica e não pude registar nem as lágrimas nem os ramos secos da árvore.
Hoje estava para falar de Daniel Barenboim e das suas palavras sobre a música e sobre o Todo, que me foram oferecidas em presente pela Maria Helena. Tive, contudo, que percorrer os campos de Serzedelo e de Guardizela em campanha eleitoral. Terminei o dia num jantar da lista do Bloco de Esquerda em Serzedelo, numa sala apertada do grupo desportivo local. Foi aí que vi gente que apenas quer "fazer o bem". Não querem impor a ditadura do proletariado nem fazer uma revolução cultural maoísta. Querem apenas que as telhas, postas sobre a Igreja de Santa Cristina, pela proverbial incompetência do IGESPAR não deixem a água escorrer para cima do padre e das crianças que aí têm a doutrina nem firam a cabeça de quem esteja debaixo do beiral. Querem que uma ponte românica não seja devorada pela indiferença. Querem que os antigos marcos administrativos do Concelho de Barcelos (conta a História) não sejam roubados para enfeitar jardins privados.
Hoje, vi um homem a chorar por causa de um carvalho que está a morrer. Basta-me isso para acreditar. No quê? Será preciso dizer? O silêncio não será suficientemente eloquente? Hoje estava para falar do silêncio como matéria e força gravítica da música e da poesia, de acordo com as palavras de Barenboim. Um justo, como me dizia em carta a Maria Helena. Um justo. Hoje, estive com homens e mulheres que são justos. Que sabem que a gamela do poder não está aberta para a sua boca. Nem é preciso. Os justos não têm a boca cheia de fome. Têm a boca como a das aves, que regurgitam vida para outras bocas, mesmo quando o corpo começa a render-se à inanidade. Não andámos à caça de votos. Andámos à pesca de homens justos, como São Pedro, que nos brindou com um fim de dia chuvoso. À pesca de vontades, de justiça e de bondade. Foi um bom dia.
Hoje vi o Josias, cabeça de lista por Serzedelo emocionado por causa de árvores, de fontes, de pedras lavradas... E as pessoas? O Josias não se preocupa com as pessoas, dirão alguns que me vierem a ler? E eu respondo com o silêncio claro das manhãs que cantam. Não há discursos nem doutrinas políticas que façam sombra a quem ama a vida sem enganos.