Montserrat Cabalé canta "Casta Diva", da "Norma" de Bellini, no Festival de Orange, em 1974
Não sei se é verdade, mas li que se chamam de sobreiras aos sobreiros virgens. Virgens por jamais terem dado cortiça às ferramentas cortantes dos homens. Tal passagem de género tem implícita a ideia de que a virgindade é um valor meramente feminino, o que está, aliás, de acordo com as histórias das meninas que o fazem render em leilões na Internet. Li também, de alguém, que a terra mãe está esfaqueada por rios, córregos e ribeiras. Não é virgem, portanto. Nem poderia ser de outro modo, senão, não poderia ser mãe. A não ser que a sua maternidade fosse protegida por algum dogma kitsch que pintasse de branco o verde do limo e arrasasse os desníveis da erosão diferencial que contorna os montes e desenha meandros. A virgindade é uma dada concepção do que é inteiro. Tudo o que é rasgado ou sulcado perde a virgindade. A lua, casta diva, perdeu-a com a primeira pegada do homem no seu solo. Mas, ainda nem as vestais a ela se rendiam em lésbicos mas platónicos desejos, e já o seu véu de gaze prateado se manchava de crateras abertas por másculos meteoritos que manchariam de sombras de pecado a superfície em que o sol se espelha. Porque o que não é inteiro e virgem passa a ter mancha. Sinal de vergonha. Leio que os pais de uma menina de oito anos, violada por um grupo de pré-adolescentes se recusaram a recebê-la de novo debaixo do seu sacro e imaculado tecto familiar. E penso que há cabeças e corações assim. Virgens, imaculados, inteiros e bravios, onde jamais um rasgão de água, doce ou salgada, ou gota que seja de sangue escorrendo de facada deixou um sulco que seja de vergonha na cara.