Diz Miguel Torga que a Natureza se recusou a pôr luto nas flores. Por isso não há flores negras. Poderão ser escuras, mas nunca negras. O homem, contudo, vive de e para as quimeras. Por isso criou, através da seleção artificial, das rosas com cinco pétalas, as mais belas aberrações genéticas que os amantes oferecem e que os crentes depositam aos pés da Virgem. Por isso procura destilar nas pétalas a cor impossível. Túlipas negras, como a de Alexandre Dumas que, como alguns mais atentos leitores já repararam, me tem feito alguma companhia ultimamente. Rosas azuis. A Gerana diz-me, contudo, que há rosas azuis no Peru, e o dogma em que professo vacila. Rosas azuis? As rosas, dizem-me os caros botânicos e geneticistas, não conseguem, de modo algum, produzir pigmentos azuis. Com sorte, micro ondulações na superfície das pétalas poderiam dar a ilusão da cor azul, num fenómeno semelhante ao que ocorre nas bolhas de sabão ou nas cascas pretas de quitina de alguns insectos que, graças aos padrões de relevo microscópico do seu revestimento, decantam a luz em tons azuis, ou outros: o que permite, copiando a natureza, criar tecidos coloridos sem tinta. Mas rosas azuis? Naturalmente, os senhores floristas, cientistas e botânico-frankensteinistas são unânimes: não há. E começaram a transplantar genes de petúnias ou da flor do anil-do-campo ou Indigofera tinctoria, a partir da qual se produzia, originalmente, o azul das calças de ganga, hoje produzido sinteticamente. Planta da família das leguminosas a que também pertencem os tremoceiros, por vezes azuis, como fez notar o Silvério Sagueiro em comentário ao artigo anterior. Na verdade, até esta planta tintureira não tem as flores realmente azuis, mas arroxeadas ou cor-de-rosa. O azul produz-se, não a partir das flores, mas das folhas após fermentação.
Outros técnicos procuram ainda obter pétalas azuis a partir de enzimas humanas como as que, presentes no fígado de Jorge III de Inglaterra, lhe criaram depósitos de azul indigo na urina na altura da sua demência. A informação que tenho é que o mais azulado que se conseguiu, em variedades de rosas batizadas com nomes como "Blue Girl", "Bleu Magenta" e "Blue Moon" não é mais que roxo. Assim como as túlipas mais negras que se conseguiram não são mais que azul escuro e púrpura, as mais negras das cores não negras.
Seja como for, por aqui, o tempo ainda não é de flores azuis, mas amarelas. Das invasoras acácias que já espreitam, como cancros, deslumbrantes para quem desconhece a sua voracidade violenta, pelas encostas do Minho, a anunciar o Entrudo português. Por aqui vejo poucas daquelas flores azedas que os meus colegas de infância por esta altura iam chupando a caminho da escola. Os trevos-azedos, erva-do-vinagre ou erva-ruim - que não convém às ovelhas delas abusarem. Nome científico, Oxalis pes-caprae ou Oxalis-pé-de-cabra em alusão ao ácido oxálico (que lhe dá o sabor azedo) e aos bolbos, nas raízes, que se assemelham a pés de caprinos.
Flores amarelas que, imitando a cor do sol, como ele renascem a partir do solstício.
Carregar nas fotografias para os devidos créditos fotográficos e outras informações.