Sábado, 10 de Janeiro de 2009
A Batalha das Esferas Celestes, de Célia Fernandes

 

Qual o grau de complexidade que deve ter um livro infanto-juvenil? A minha amiga Célia Fernandes, discreta leitora deste espaço, tem publicado um livro, "A Batalha das Esferas Celestes" e pediu-me uma crítica ao mesmo, apontando aquilo que pudesse encontrar de bom ou de mau. Qualquer artista, interessado na sua própria evolução, deverá sempre agradecer críticas severas, ainda que nem sempre as aprecie. Mas qualquer ser humano prefere elogios a advertências - no fundo, até os masoquistas. E a Célia, que me presenteia frequentemente com elogios, quer que eu seja um crítico implacável. Difícil tarefa, essa. Difícil, não só por razões afetivas, mas também porque eu não sou, nem nunca fui, um crítico de literatura. Pertenço àqueles leitores que pegam num livro e dele querem sempre retirar apenas o que há de precioso. Um livro é sempre uma mensagem a nós dirigida. Não é um bilhete. Não é uma SMS. Um livro é sempre para nós, mesmo que digam que o público-alvo é este ou aquele. Quando li "A Batalha das Esferas Celestes", falei, no mesmo dia, com a Célia e apontei a condensação extrema de nomes, lugares e situações, dando a sensação de que em menos de trinta e sete páginas se queria resumir, em forma de narrativa, algo tematicamente semelhante ao que Wagner sublimou numa extensa tetralogia. Isso pode ser um aspecto negativo a apontar mas, por outro lado, dá também uma sensação poética estranha e exaltante, ao flutuarmos entre sonoridades bárbaras que se sucedem em catadupa, obrigando à releitura e à associação entre as personagens que densamente povoam as escassas páginas do livro.

 

Se há coisa que defina a escrita infanto-juvenil da Célia é o carinho que ela tem pelo património narrativo da humanidade. Património narrativo esse que deve ser sempre renovadamente contado. As grandes mitologias, como a greco-romana ou a nórdica, ainda que em estilos e fundos paisagísticos diferentes, encerram em si a quase totalidade da experiência humana e é, portanto, compreensível que todas as gerações a elas voltem, acrescentando pormenores, omitindo outros, fundindo ou  cindindo personagens, acentuando este ou aquele aspecto da história e, principalmente, acrescentando à história uma certa qualidade hipertextual que já aparecia nos autores clássicos. A Célia atreve-se frequentemente a anacronismos que refletem esse carácter hipertextual do mito e da fantasia. Os anões são cientistas e falam em ADN. Frei, irmão de Freia, aparece a namorar uma longínqua Cassiopeia. Tudo pormenores que saltam do universo de fundo, que é a mitologia nórdica, e que se referem a outros tempos, a outros lugares, a outros imaginários. A abordagem é interessante. Os miúdos  podem não ter a bagagem necessária para compreenderem esta intersecção de mundos, mas tudo a seu tempo.

 

As ilustrações, a pastel, são de Marta Batista.

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publicado por Manuel Anastácio às 13:03
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